O Primeiro Leilão de Áreas Não Contratadas do pré-sal, promovido pelo governo federal, reacendeu o debate sobre a coerência da política energética brasileira em um momento em que o país afirma liderar a transição para uma economia de baixo carbono.
Ao colocar à venda participações da União nos campos de Mero, Tupi e Atapu — alguns dos mais produtivos do país — o certame é visto por organizações socioambientais e representantes de trabalhadores como um movimento na contramão das metas climáticas anunciadas pelo próprio governo.
Enquanto instituições internacionais projetam queda estrutural da demanda global por petróleo já a partir de 2030, o Brasil opta por ampliar a oferta de ativos petrolíferos a investidores privados, nacionais e estrangeiros.
Especialistas alertam que essa estratégia não apenas prolonga a dependência dos combustíveis fósseis, como também fragiliza a soberania energética ao reduzir o controle público sobre reservas consideradas estratégicas.
“A participação da Petrobras na produção nacional diminui a cada ano, resultado de privatizações e leilões que fortalecem o controle estrangeiro sobre o setor. Essa lógica privatista e entreguista afasta o país de qualquer projeto de transição energética justa, que exige respeito às comunidades e aos trabalhadores do setor fóssil”, avalia o Observatório do Clima.
Embora a Petrobras ainda figure entre as petroleiras mais lucrativas do mundo, seus investimentos em energia limpa permanecem modestos, e o novo Plano de Negócios 2026–2030 diminuiu a previsão de aportes em projetos de baixo carbono. Isso aprofunda o questionamento sobre a capacidade da companhia, e do país, de se preparar para o cenário pós-petróleo.
Compromissos climáticos
Outro ponto de tensão envolve os compromissos climáticos assumidos pelo Brasil. O leilão ocorre no mesmo momento em que o governo revisa as metas de redução de emissões para 2035 e reforça compromissos no Acordo de Paris.
Para entidades ambientais, a expansão da fronteira fóssil é incompatível com a trajetória necessária para limitar o aquecimento global a 1,5°C. Também vai na contramão das diretrizes da Estratégia Nacional de Mitigação da Mudança do Clima, que aponta para a substituição progressiva dos combustíveis fósseis.
No plano econômico, o movimento é interpretado como uma aposta de alto risco. Críticos afirmam que o país não tem utilizado de forma estratégica royalties e dividendos do setor para financiar a transição energética, objetivo constantemente mencionado no discurso, mas pouco evidente na prática.