O novo Relatório de Síntese das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), divulgado nesta terça-feira (28/10) pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), mostra que os compromissos atuais continuam muito aquém do necessário para conter o aquecimento global. Mesmo com avanços técnicos, o documento expõe a omissão das maiores economias e confirma que o mundo segue distante da trajetória compatível com a meta de 1,5°C.
O relatório reúne 64 novas metas submetidas entre janeiro de 2024 e setembro de 2025 — número muito inferior ao ciclo anterior, que registrou 168 submissões em 2024. Essas novas NDCs representam apenas 30% das emissões globais de 2019 e incluem apenas sete países do G20. Grandes emissores como China e União Europeia ainda não apresentaram planos atualizados.
As metas apresentadas projetam uma redução média de 17% das emissões até 2035, podendo chegar a 24% no melhor cenário. A ciência, porém, aponta que seria necessário cortar 60% das emissões até 2035 para manter viva a meta de 1,5°C. O relatório estima que, com as atuais promessas, o planeta caminha para um aquecimento entre 2,4°C e 2,6°C até o fim do século.
O documento é um dos mais aguardados antes das COPs, porque permite avaliar o nível de ambição e implementação das NDCs e o quanto os países estão no caminho para limitar o aquecimento a 1,5°C, conforme o Acordo de Paris.
“O que vemos neste relatório é um cenário preocupante: apenas 63 países apresentaram novas NDCs, e mesmo no melhor cenário, a redução projetada das emissões até 2035 é de apenas 24%, muito abaixo dos 60% necessários com base nas emissões de 2019”, avalia Alexandre Prado, líder de mudanças climáticas do WWF-Brasil. “Mais uma vez, estamos empurrando as ações para o futuro e deixando que as próximas gerações arquem com a conta do que emitimos hoje.”
O documento aponta que, embora os compromissos avancem em abrangência — 89% agora cobrem toda a economia e 88% foram elaborados com base nos resultados do Global Stocktake —, a lentidão política e a ausência dos maiores poluidores comprometem o alcance global das metas.
A China, maior emissor do planeta, com cerca de 31% das emissões globais, apresentou apenas uma meta indicativa: reduzir 7% até 2035 em relação ao pico, o que teria impacto modesto nas emissões totais.
Adaptação e financiamento
Ainda assim, há sinais positivos. Dos países que apresentaram NDCs, 75% incluíram estimativas de financiamento necessárias, somando US$ 1,97 trilhão, sendo US$ 1,34 trilhão para mitigação e US$ 560 bilhões para adaptação.
O relatório mostra avanços importantes em adaptação. Quase três quartos das novas NDCs trazem metas e indicadores claros, e 94% mencionam perdas e danos — o dobro do ciclo anterior. Cresce também a integração entre mitigação e adaptação, com destaque para soluções baseadas na natureza, como restauração de manguezais e agricultura inteligente.
“Quase 90% das NDCs agora abrangem toda a economia, e não apenas setores isolados, o que representa uma mudança estrutural positiva na forma como os países estão planejando seu desenvolvimento”, observa Prado.
“Também é promissor ver o fortalecimento das sinergias entre mitigação e adaptação, especialmente em ações baseadas na natureza, como a conservação de manguezais e florestas. Essas soluções reduzem custos, aumentam a resiliência das comunidades e trazem benefícios que vão muito além do carbono”, acrescenta.
Segundo ele, o Brasil tem papel estratégico. “Conservar a Amazônia é essencial não só para o clima global, mas para garantir água e qualidade de vida nas regiões Centro-Oeste e Sudeste.”
O documento expõe um abismo cada vez maior entre a ciência e a ação política. A baixa ambição dos principais emissores mantém o planeta em uma rota perigosa, e o ritmo atual ameaça converter o Acordo de Paris em um pacto de intenções.