O relatório inédito da Oxfam, “Transição Injusta: Resgatando o Futuro Energético do Colonialismo Climático”, divulgado nesta terça-feira (23/9), revela que a atual revolução energética mundial reproduz padrões históricos de desigualdade. Apesar de 70% das reservas de minerais essenciais para a transição energética estarem no Sul Global, a maior parte dos investimentos em energia renovável se concentra no Norte Global (46%) e na China (29%).
O estudo destaca que, em 2024, a América Latina recebeu apenas 3% dos investimentos globais em energia limpa, enquanto Sudeste Asiático, Oriente Médio e África ficaram com 2% cada — um dado alarmante considerando que a África Subsaariana concentra 85% da população mundial sem acesso à eletricidade.
Segundo Amitabh Behar, diretor-executivo da Oxfam Internacional, muitos países do Sul estão sendo totalmente excluídos da transição, apesar de terem grande potencial. “Seus governos não conseguem aproveitar a queda dos custos das renováveis por causa do alto endividamento e de condições de empréstimo injustas”, destacou.
A pesquisa mostra que o custo de fornecer energia é quase o dobro nos países africanos em comparação com o preço em países com economias consideradas avançadas. “Quando recorrem a investimentos estrangeiros, acabam sendo pautados pela extração e pelo lucro de poucos, em detrimento do bem comum da maioria”, disse Behar.
Minerais estratégicos
A desigualdade se estende à exploração e comercialização de recursos estratégicos, como o lítio. Embora a América Latina detenha quase metade das reservas mundiais de lítio, o continente captura apenas 10% do valor econômico desse mercado, revelando que a riqueza gerada pela transição energética tende a beneficiar o 1% mais rico do planeta. Segundo a Oxfam, a energia consumida por essa elite seria suficiente para atender sete vezes às necessidades energéticas básicas de todas as pessoas sem acesso à eletricidade.
Um exemplo extremo é a cadeia do cobalto: a Tesla, comandada por Elon Musk, obteve US$ 5,63 bilhões em vendas de veículos elétricos em 2024, com US$ 3.145 de lucro por carro — 321 vezes mais do que a República Democrática do Congo recebe pelos 3 kg de cobalto usados em cada veículo. A RDC poderia gerar mais de US$ 4 bilhões ao ano se retivesse o valor integral da cadeia, suficiente para garantir energia limpa a metade de sua população.
O relatório sugere que a transição energética, se conduzida sem políticas globais de redistribuição de investimentos e renda, pode se consolidar como uma nova forma de “colonialismo climático”, em que os países do Sul Global fornecem recursos estratégicos enquanto recebem pouco retorno econômico e continuam enfrentando exclusão energética.
“Os países mais ricos e os indivíduos super-ricos estão levando a crise climática ao ponto de ruptura, extrapolando o orçamento de carbono por meio de sistemas profundamente desiguais e extrativos. Agora tentam capturar e controlar a transição energética às custas dos países mais pobres e mais vulneráveis ao clima, ampliando ainda mais as desigualdades”, reforçou o diretor-executivo da Oxfam internacional.
Comunidades locais
O documento denuncia ainda que projetos de mineração, energia renovável e desenvolvimento industrial ligados à transição energética frequentemente envolvem violência, trabalho forçado e degradação ambiental, sem o consentimento das comunidades locais. Atualmente, até 60% das terras reconhecidas oficialmente para povos indígenas — 22,7 milhões de km² — estão ameaçadas por essas iniciativas, uma área equivalente ao tamanho de Brasil, EUA e Índia juntos.
No Brasil, a situação reflete esse padrão global. “Somos um país com imenso potencial solar, eólico e de biocombustíveis, além de reservas estratégicas. No entanto, repetimos um modelo extrativista que concentra renda, explora territórios tradicionais e deixa as comunidades locais com os custos ambientais e sociais”, afirmou Viviana Santiago, diretora-executiva da Oxfam Brasil.
O relatório recomenda políticas globais para uma transição energética justa e descolonizada, incluindo: financiamento público prioritário para metas climáticas, evitando que dinheiro público sirva apenas aos lucros privados; reconhecimento e reparação da responsabilidade de países e empresas poluidoras; e reforma de modelos internacionais de tributação, comércio e financiamento, fortalecendo agregação de valor, transferência de tecnologia e soberania industrial.