Crimes ambientais sob o radar financeiro

Pesquisa mostra que criminalidade ambiental se sofisticou e só o asfixia financeira pode romper o modelo econômico do desmatamento

Frigoríficos, serrarias e exportadoras devem reportar operações suspeitas para frear redes que financiam desmatamento. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil.

O combate aos crimes ambientais, como aqueles que financiam o desmatamento, passa cada vez mais pelo controle financeiro das cadeias produtivas. Um estudo inédito do Instituto Esfera de Estudos e Inovação, frente acadêmica da Esfera Brasil, aponta que será necessário ampliar o rol de “sujeitos obrigados” pela Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98) para incluir frigoríficos, serrarias e exportadoras, além de mapear toda a cadeia de suprimentos em setores como pecuária, ouro e madeira.

A pesquisa, intitulada Lavagem de Dinheiro e Crimes Ambientais: Elaboração de Propostas para o Aprimoramento Normativo dos Controles de Prevenção Impostos aos Setores Vinculados à Mineração de Ouro, Extração de Madeira e Pecuária, foi conduzida pela advogada e mestre em Direito Penal pela USP Marina Brecht. O estudo defende que empresas não só conheçam seus clientes, mas também monitorem fornecedores, mantenham registros detalhados e reportem operações suspeitas ao Coaf.

“Nosso diagnóstico aponta para uma defasagem entre o perfil da criminalidade e o desenho regulatório atual”, afirma Camila Funaro Camargo Dantas, CEO do Instituto Esfera. Segundo ela, a criminalidade ambiental é cada vez mais sofisticada, infiltrando-se de forma estruturada nas cadeias produtivas, e o combate precisa acompanhar essa evolução.

O relatório evidencia que a criminalidade ambiental se organiza por meio de estruturas comerciais e logísticas complexas, aproveitando-se de lacunas regulatórias e da ausência de fiscalização sobre fornecedores. Em setores como ouro, madeira e pecuária, o sistema atual concentra-se principalmente na análise de clientes e transações financeiras, sem atingir a contaminação da cadeia desde a primeira venda. No caso da pecuária, por exemplo, os frigoríficos ainda não são formalmente obrigados a adotar controles abrangentes, o que limita a eficácia das medidas de prevenção.

US$ 1 trilhão em crimes ambientais

Segundo estimativas do Banco Mundial, os crimes ambientais movimentam cerca de US$ 1 trilhão por ano. Para o estudo, essa criminalidade deixou de ser apenas uma questão ecológica e se tornou parte de um sistema financeiro ilícito global, de “alto retorno e baixo risco”, que fragiliza instituições democráticas e opera de forma transnacional. O Brasil funciona simultaneamente como origem, rota e destino desses fluxos ilícitos.

Entre os avanços regulatórios citados pelo relatório, estão a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que derrubou a presunção de boa-fé na compra de ouro e as normas do Banco Central que definem operações suspeitas já na primeira aquisição do metal. No setor da pecuária, o programa Boi na Linha, que concentra nos frigoríficos a obrigação de bloquear fornecedores suspeitos, é apontado como um exemplo de regulação baseada em toda a cadeia de suprimentos.

O estudo reforça que, diante da impossibilidade de fiscalização puramente presencial, o asfixiamento financeiro das redes criminosas é cada vez mais crucial para proteger o meio ambiente e desmantelar o modelo econômico do desmatamento.