Brasil dá passo histórico no Tratado do Alto-Mar

Acordo é visto pela comunidade internacional como medida indispensável para garantir a conservação da biodiversidade nos oceanos

Expedição Oceana Ranger às Ilhas Canárias, Espanha. Foto: Oceana/Carlos MinguellExpedição Oceana Ranger às Ilhas Canárias, Espanha. Foto: Oceana/Carlos Minguell

O Senado aprovou nesta semana o Tratado do Alto-Mar da Organização das Nações Unidas (ONU), acordo internacional que busca proteger a biodiversidade marinha. O texto segue agora para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já havia prometido, em discurso internacional, ratificar a legislação até o fim de 2025.

A decisão coloca o Brasil diante de um momento estratégico. Além de se alinhar às principais potências ambientais do mundo, o país terá a oportunidade de assumir protagonismo na governança dos oceanos. 

O tratado, conhecido pela sigla em inglês BBNJ (Biodiversity Beyond National Jurisdiction), foi aprovado em regime de urgência após análise da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE).

Em junho, durante a 3ª Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos (UNOC3), na França, Lula declarou publicamente seu compromisso em ratificar o acordo. Agora, a expectativa é de que a sanção ocorra sem resistências, transformando a promessa em ação concreta.

Segundo Ademilson Zamboni, diretor-geral da Oceana, o alto-mar enfrenta ameaças graves, como a sobrepesca, o acúmulo de plásticos, a poluição sonora e os impactos das mudanças climáticas. Para ele, a ratificação brasileira é decisiva. “Após a aprovação nas duas Casas do Congresso Nacional, cabe agora ao presidente Lula cumprir seu compromisso assumido durante a UNOC3 e ratificar prontamente este Tratado.”

A relevância política da decisão vai além da assinatura simbólica. A professora Carina Oliveira, da Universidade de Brasília (UnB), lembra que o país já teve papel ativo nas negociações do BBNJ e, ao ratificá-lo, poderá influenciar diretamente a implementação global do acordo.

“A ratificação pelo Congresso permite que o Brasil continue a influenciar a conservação e o uso sustentável da biodiversidade marinha além da jurisdição. Além disso, o direito nacional será enriquecido com princípios que dialogam com a futura Lei do Mar”, explica.

No dia 19 de setembro, a 60ª ratificação internacional acionou a contagem de 120 dias para a entrada em vigor do Tratado. Até agora, 74 países já concluíram o processo, o que significa que ele deve entrar em vigor em janeiro de 2026.

Por que o Tratado importa

O alto-mar corresponde a cerca de 95% do espaço habitável do planeta e concentra ecossistemas ainda pouco estudados, que vão de corais profundos a baleias migratórias. Como não estão sob jurisdição de nenhum país, essas áreas sempre careceram de uma governança global efetiva.

O tratado cria mecanismos para garantir o uso sustentável dos recursos, a transparência na gestão e a repartição justa dos benefícios derivados da biodiversidade marinha, como potenciais descobertas farmacêuticas. Ele também reforça a importância da participação social, ao reconhecer a legitimidade de povos e comunidades tradicionais e ao propor uma aliança entre conhecimento científico e saberes locais.

O desafio agora

A aprovação do Senado aproxima o Brasil de um compromisso histórico, mas também coloca em evidência a urgência de uma política oceânica mais robusta. Entre as próximas etapas, estará a harmonização das regras do Tratado com a legislação nacional, incluindo a tramitação da futura Lei do Mar.

Em um momento em que o país busca se posicionar como liderança climática rumo à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), sediada em Belém, a ratificação do BBNJ pode se tornar um símbolo da capacidade brasileira de unir diplomacia ambiental e políticas públicas internas.