O avanço das energias renováveis no Brasil chega a um ponto de inflexão. Depois de anos de forte expansão apoiada por políticas públicas, financiamentos incentivados e crescente interesse de investidores, o setor passou a esbarrar em limitações que comprometem o funcionamento dos empreendimentos e expõem fragilidades em seu modelo econômico.
A concentração da geração no Nordeste, região naturalmente propícia à produção eólica e solar, tornou-se o epicentro do problema. Sem uma expansão equivalente da rede de transmissão, os parques passaram a enfrentar cortes compulsórios de produção. Os curtailments já chegaram a 40% em alguns meses, afetando diretamente a receita dos empreendimentos e com impacto sobre a conta de luz dos brasileiros.
A situação é particularmente crítica para projetos financiados por Project Finance, cuja lógica depende de previsibilidade de caixa e contratos firmados no longo prazo. “Dessa maneira, financiamentos considerados seguros estão passando por reestruturações profundas, inclusive com haircuts e trocas de dívida”, afirma Luciano Lindemann, da FTI Consulting.
O que antes era percebido como risco baixo no setor agora se traduz em revisões contratuais e renegociações complexas com credores. Mais do que um descompasso conjuntural, o gargalo de transmissão escancara falhas estruturais.
A pressa em expandir a geração renovável não foi acompanhada por investimentos equivalentes na infraestrutura que deveria escoar essa energia. Há casos de linhas com inconsistências técnicas e despesas de capital acima do originalmente previsto, o que encarece projetos e adiciona novas camadas de risco.
Nesse ambiente, o setor se prepara para uma transformação regulatória significativa com a sanção da MP 1.304. A medida redesenha pilares importantes do marco legal ao flexibilizar a abertura do mercado livre e propor novos instrumentos de planejamento e contratação.
Mas as incertezas permanecem. Para Raquel Rocha, da FTI Consulting, a MP representa avanços importantes, mas traz efeitos colaterais que ainda precisam ser compreendidos. Segundo ela, “alguns vetos originais que limitavam a criação de encargos e subsídios cruzados podem afetar a competitividade de fontes renováveis”.
Rocha alerta também que o novo equilíbrio entre governo e iniciativa privada no planejamento pode retardar decisões essenciais sobre transmissão, justamente o ponto mais vulnerável do sistema hoje.
O resultado desse conjunto de tensões é um processo de reestruturação silenciosa, mas crescente. Ativos pressionados financeiramente começam a mudar de mãos.
Lindemann explica que empresas com mais capital estão aproveitando o momento para comprar projetos que enfrentam dificuldades. Esse movimento de consolidação, que ele chama de “reciclagem”, já aparece em casos públicos e tende a ficar mais forte nos próximos anos.