Cultura é aliada estratégica no combate às mudanças climáticas

Estudo revela que brasileiros veem em filmes, livros e museus ferramentas de informação, inspiração e mobilização em torno da crise ambiental

Para 73,3% dos brasileiros, a cultura vai além de informar: funciona como plataforma de ação, inspirando mudanças concretas de comportamento. Foto: Unicef.

A cultura, tradicionalmente associada ao lazer e à expressão artística, surge como aliada central na agenda climática do Brasil. É o que aponta a segunda etapa da pesquisa “Cultura e Clima: Percepções e Práticas no Brasil”, conduzida pela organização não governamental C de Cultura e pela empresa Outra Onda Conteúdo, em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). 

O estudo, obtido com exclusividade pelo Correio, será lançado oficialmente na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém, no dia 13 de novembro.

Segundo os dados coletados entre julho e agosto de 2025, com 2.074 entrevistados de todas as regiões do país, 83,5% dos brasileiros acreditam que podem entender melhor sobre mudanças climáticas por meio de bens e atividades culturais. 

Para 73,3%, a cultura não se limita à informação, atuando como plataforma prática de ação, capaz de inspirar mudanças de comportamento. Cerca de 62,6% afirmam ter mudado hábitos relacionados a temas sociais e ambientais após contato com livros, filmes, músicas, museus ou outras expressões culturais.

“Os resultados confirmam algo que já percebíamos empiricamente: o público não apenas consome cultura, mas busca uma conexão com a agenda climática. Produzir conteúdos que integrem arte, conhecimento e ação é uma demanda clara”, observa Mariana Resegue, diretora-executiva da C de Cultura.

Eleições em jogo

O estudo também revela a dimensão política da questão climática. 89,4% dos entrevistados afirmaram querer políticos comprometidos com sustentabilidade ambiental e justiça social. A adesão, no entanto, varia conforme o espectro político: 98,8% entre pessoas de esquerda e 52,1% entre pessoas de direita. Nas últimas eleições, propostas climáticas influenciaram o voto de 55,1% dos eleitores de esquerda, enquanto 59,6% dos eleitores de direita não as consideraram determinantes.

“A pesquisa evidencia que, para além da conscientização, a cultura tem potencial de mobilizar politicamente a sociedade em torno da agenda climática”, afirma Eduardo Carvalho, diretor-fundador da Outra Onda Conteúdo.

Obstáculos ao engajamento

Embora a cultura seja reconhecida como fonte de informação, nem todos recorrem a ela com regularidade. Apenas 4,2% nunca buscam informações sobre mudanças climáticas por meio de bens culturais, enquanto 54,6% o fazem com certa frequência e 38,2% afirmam recorrer frequentemente.

Ainda assim, a pesquisa identifica obstáculos ao engajamento: 52,4% dos entrevistados relatam sentir-se impotentes diante da crise climática, e 25,7% apontam falta de conhecimento sobre como contribuir de forma prática. A preocupação é generalizada: 82,1% estão preocupados com as mudanças climáticas, sendo que 53,4% expressam profunda preocupação.

“Mais da metade da população sente que o problema é maior que sua capacidade individual de ação. Isso evidencia a necessidade de estratégias de comunicação mais claras e de mobilização cultural eficaz”, explica Mariana.

O estudo também ressalta que a cultura tem papel transformador e inclusivo. 77,5% dos participantes reconhecem que povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais podem ajudar o Brasil a enfrentar as mudanças climáticas. A pesquisa ainda identifica percepção sobre vulnerabilidades socioeconômicas: 53,8% apontam populações de baixa renda e 34,3% comunidades tradicionais como mais afetadas pelos impactos da crise.

As recomendações da pesquisa incluem criar narrativas acessíveis e emocionais que conectem a questão climática à vida cotidiana, utilizar canais de amplo alcance, como música, audiovisual e novelas, promover ações culturais integradas com forte vínculo territorial, fortalecer a relação entre a crise climática e as desigualdades sociais, observando a justiça climática, e engajar lideranças locais confiáveis para mobilizar os diferentes grupos da sociedade.