0,1% mais rico queima mais carbono que metade do mundo

Novo relatório da Oxfam mostra como luxo e investimentos dos bilionários aceleram a crise climática e ampliam a desigualdade

De acordo com a Oxfam, o 1% mais rico do planeta deve ser responsável por 1,3 milhão de mortes relacionadas ao calor até o fim do século. Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil.

Enquanto a maior parte do mundo sofre com os impactos da crise climática, uma pequena elite acelera o aquecimento global. Segundo o relatório “Saque Climático: como poucos poderosos estão levando o planeta ao colapso”, da Oxfam Internacional, o 0,1% mais rico do planeta — cerca de 8 milhões de pessoas — emite mais carbono em um único dia do que a metade mais pobre da humanidade em um ano.

O documento, divulgado às vésperas da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), mostra que a desigualdade climática atinge proporções obscenas. Desde 1990, a fatia de emissões associada aos super-ricos aumentou 32%, enquanto a metade mais pobre viu sua parcela cair 3%. 

Se todos os habitantes do planeta vivessem como o topo dessa pirâmide, o chamado “orçamento de carbono”, limite de emissões que ainda permite evitar o colapso climático, se esgotaria em menos de três semanas.

“A crise climática é uma crise de desigualdade”, resume Amitabh Behar, diretor-executivo da Oxfam Internacional. “Os indivíduos mais ricos do planeta financiam e lucram com a destruição do clima, enquanto a maioria paga o preço das consequências fatais desse poder sem controle.”

O luxo que polui

O relatório mostra que uma pessoa do 0,1% mais rico emite, em média, 800 kg de CO₂ por dia, o equivalente ao peso que nem o homem mais forte do mundo conseguiria levantar. Em contraste, uma pessoa entre os 50% mais pobres emite apenas 2 kg por dia, o peso que uma criança poderia erguer.

Mas o problema vai além do consumo pessoal. A Oxfam revela que o bilionário médio gera 1,9 milhão de toneladas de CO₂ por ano apenas com seus investimentos, sobretudo em empresas de combustíveis fósseis.

Quase 60% das carteiras bilionárias estão aplicadas em setores de alto impacto climático, como petróleo, gás e mineração — o que faz com que emitam duas vezes e meia mais carbono do que o investimento médio listado no índice S&P Global 1.200.

Somadas, as emissões de apenas 308 bilionários superam as de 118 países.

Racismo ambiental 

Enquanto os mais ricos — muitos ligados a setores altamente poluentes, como o agronegócio e a mineração — concentram as emissões, comunidades periféricas, indígenas, quilombolas e lideradas por mulheres negras vivem na linha de frente dos impactos da crise. Enchentes, ondas de calor e falta de infraestrutura básica expõem um padrão estrutural de injustiça ambiental.

“Os mais ricos emitem centenas de vezes mais do que a maioria da população, enquanto os grupos mais vulneráveis pagam o preço dessa desigualdade. É um claro caso de racismo ambiental”, afirma Viviana Santiago, diretora-executiva da Oxfam Brasil.

As consequências dessa disparidade são devastadoras. De acordo com a Oxfam, o 1% mais rico do planeta deve ser responsável por 1,3 milhão de mortes relacionadas ao calor até o fim do século, além de provocar US$ 44 trilhões em perdas econômicas em países de baixa e média renda até 2050 — regiões que, ironicamente, pouco contribuíram para o aquecimento global.

Desde o Acordo de Paris, em 2015, a elite global queimou mais que o dobro do orçamento de carbono utilizado pela metade mais pobre da humanidade combinada, aprofundando o abismo entre responsabilidade e vulnerabilidade climática.

Lobby do petróleo  

A concentração de riqueza vem acompanhada de poder político. O relatório aponta que, na COP29, 1.773 lobistas de carvão, petróleo e gás receberam credenciais oficiais — mais do que o total de representantes dos dez países mais vulneráveis ao clima.

Nos bastidores, essa influência se transforma em leis flexibilizadas, campanhas de desinformação e lobby agressivo. Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha recuaram em compromissos climáticos após receberem grandes doações de grupos contrários à ação ambiental. 

“É um absurdo que tamanha riqueza e poder estejam concentrados nas mãos de poucos, e que eles usem isso para nos empurrar rumo à destruição planetária”, critica Amitabh Behar. 

Futuro possível

Diante do avanço da crise e da concentração de poder nas mãos de poucos, a Oxfam defende medidas estruturais que atinjam o centro do sistema econômico global. A organização propõe taxar as grandes fortunas e os lucros excessivos das corporações fósseis, com um imposto global de 60% sobre a renda do 1% mais rico — o que poderia gerar US$ 6,4 trilhões e reduzir emissões equivalentes às de todo o Reino Unido. 

A entidade também sugere proibir o lobby de empresas de combustíveis fósseis em negociações climáticas, como a COP, além de ampliar a participação de povos indígenas e comunidades vulneráveis nas decisões sobre o clima.