Vitória de Trump deve manter dólar mais alto por mais tempo, segundo especialistas

De acordo com analistas, resultado das urnas nos EUA favorece cenário com dólar e juros mais elevados e aumenta pressão sobre o Planalto para um corte de gastos

dólar
Foto: Yuri Cortez/AFP

A vitória folgada do republicano Donald Trump na corrida presidencial dos Estados Unidos marca o retorno do empresário após quatro anos, quando perdeu para o pleito para o democrata Joe Biden, em 2020, e o mercado financeiro já está reagindo ao resultado das urnas mostrando um dólar mais fortalecido frente às moedas emergentes e até mesmo frente ao euro. Além disso, analistas veem mais pressão sobre o Palácio do Planalto para um corte de gastos após o resultado das urnas nos EUA, pois o dólar já estava mais fortalecido devido à falta de sinais claros do governo brasileiro de um ajuste fiscal mais sério.

A divisa norte-americana chegou a ficar perto do patamar de R$ 5,90, nesta quarta-feira (6/11), em dia da penúltima decisão do ano do Comitê de Política Monetária (Copom). De acordo com analistas, apesar dessa forte desvalorização do real frente ao dólar e isso implicar em mais pressões inflacionárias no futuro, o Banco Central não deverá intensificar, por enquanto, o aumento da taxa básica da economia (Selic) que está precificada em 0,50 ponto percentual, para 11,25% ao ano.

“O Banco Central não reage ao câmbio do dia. O dólar vai seguir mais forte não só no Brasil, mas no mundo”, explicou o economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani. O Índice do Dólar Americano (DXY), que mede a cotação da divisa norte-americana frente a uma cesta de moedas tem registrado alta de 1,55% nesta quarta-feira.

O economista Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, também não espera uma decisão mais dura do Comitê na reunião de hoje e mantém as apostas em 0,50 ponto percentual de alta. Ele lembrou, contudo, que a tendência, daqui para frente, é de um câmbio mais valorizado com a perspectiva da volta de Trump para o governo dos EUA, pelo menos, até a posse do republicano. 

Diante das expectativas de aumento das tarifas de importação sobre a China com a volta de Trump à Casa Branca em 20 de janeiro de 2025, analistas reconhecem que a inflação tende a ficar mais alta nos EUA, resultando menor eficiência na alocação e efeitos ambíguos sobre a economia global.

“Efeito líquido dependerá muito da retaliação dos países para os quais a China tentará compensar a perda de exportações para os EUA. Ideia geral, de toda forma, é que, sendo inflacionário para os EUA, signifique risco de juros médios mais altos e dólar forte. Provável desaceleração da economia global e riscos para economia chinesa, que precisa desalavancar e poderá crescer menos”, destacou relatório dos economistas do banco Bradesco divulgado, hoje aos clientes.

Gustavo Cruz ressaltou que “Trump vai governar os dois primeiros anos do segundo mandato com a maioria na Câmara dos Representantes e no Senado norte-americano, e, com isso, aprovar medidas no Congresso será mais fácil. “De qualquer maneira, reforçamos que o histórico dos presidentes americanos é de entregar 48% das promessas de campanha. No primeiro mandato, Trump conseguiu entregar 23%”, afirmou.  “A política econômica de Trump é lida como altamente deficitária e inflacionária; e, no primeiro discurso, ele enfatizou em redução de impostos, o fortalecimento das fronteiras e a ampliação da força militar. O plano econômico de Trump sugere um fortalecimento do dólar”, destacou Cruz.

Isabela Bessa, especialista em investimentos internacionais da Warren Investimentos, ressaltou também que o principal impacto de curto prazo nos mercados financeiros será o dólar mais forte e as ações de empresas norte-americanas em alta. “A agenda de Trump, que inclui reformas fiscais e estímulo ao crescimento econômico, aumenta a confiança no dólar. Essas políticas fortalecem a economia americana, o que impacta na valorização da moeda americana”, explicou.

Sergio Goldenstein, estrategista-chefe da Warren, reforçou que, ao menos num primeiro momento, a vitória de Trump tende a gerar uma valorização global do dólar. “A combinação de uma política fiscal mais expansionista, de maiores barreiras à imigração e de uma política comercial mais protecionista aumentaria os riscos inflacionários, pressionando as taxas dos títulos norte-americanos. Em particular, uma política comercial com maiores barreiras às importações afetaria países que direcionam parte importante se suas exportações aos EUA”, afirmou. Na América Latina, segundo ele, o principal impacto se daria sobre o peso mexicano, mas o real também seria afetado, inclusive, pelo contágio de uma moeda par.

Na avaliação de Bessa, as promessas de redução de impostos e simplificação de regras para empresas deve impulsionar o mercado de ações dos Estados Unidos, criando um cenário favorável para os investidores. Além disso, as taxas de juros devem voltar a subir. “A abordagem de Trump sobre imigração, protecionismo e estímulo à economia pode aumentar as expectativas de inflação, o que tende a levar a juros mais elevados por um período mais longo”, afirmou. Ela ressaltou, contudo, que historicamente, os mercados de ativos americanos são resilientes e tendem a ser mais influenciados pelas condições econômicas globais e empresariais do que pelas questões partidárias. “Assim, independentemente de quem esteja no poder, os mercados geralmente se ajustam conforme os fundamentos econômicos”, acrescentou.

Em relatório enviado aos clientes, analistas da XP Investimentos consideraram que certos setores podem se beneficiar de um governo com  presidência de Trump, como setores de exportação de commodities podem se beneficiar, como o agronegócio. “Durante os anos 2018-2020, no auge da guerra comercial com a China, a demanda chinesa por commodities se deslocou dos EUA para o Brasil, beneficiando produtos como soja e milho”, de acordo com o relatório da instituição.

Os analistas da XP lembraram ainda que a tarifa global de 10% sobre todas as importações poderia impactar as principais exportações do Brasil para os EUA, em particular o petróleo bruto, o aço semiacabado e o café, contudo ainda não está claro se o Brasil conseguiria obter tais isenções novamente, especialmente sobre o aço.

“A proposta de tarifa de 60% sobre todas as importações chinesas poderia ter um impacto limitado sobre os produtores de aço e mineradores. Como os EUA são um importador chave de ferro e aço, e a China provavelmente não ajustará sua oferta em resposta, essa situação poderia levar a um desequilíbrio entre oferta e demanda, impactando os preços do aço”, alertou o documento. Analistas da XP também alertaram sobre os riscos de maior volatilidade no mercado financeiro devido às tensões comerciais entre os EUA com a China.

Corte de gastos

O economista e consultor André Perfeito, avaliou a vitória de Trump como histórica, porque ele terá todos os graus de liberdade que quiser para impor sua agenda econômica, como aumento das tarifas de importação e corte de impostos de empresas, algo que está tendo reflexo nos preços dos ativos, com valorização do dólar e alta dos juros.

Perfeito ainda destacou que o resultado das urnas norte-americanas coloca mais pressão sobre o Palácio do Planalto para fazer cortes de gastos o mais rápido possível, porque o governo precisará estancar a piora da visão das contas públicas, caso contrário, “o dólar em alta irá destruir em 2024 as chances do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou do PT ganhar as eleições em 2026”.

“A questão agora é existencial para o governo; como as urnas já mostraram nas eleições municipais mais à direita no Brasil”, afirmou. “Se isso é verdade podemos ter uma perspectiva relativamente positiva para o mercado de capitais no Brasil no médio prazo. Todo o esforço do governo será estancar os gastos em 2025 para tentar criar condições mais favoráveis em 2026”, acrescentou Perfeito.