Novo pacote do governo não resolve o problema, alertam analistas

Impacto de medidas de redução de imposto de produtos alimentícios importados é visto com ceticismo e ausência de Haddad aumenta a desconfiança

Crédito: Cadu Gomes/VPR

O governo anunciou a redução da tarifa de importação de vários produtos, nesta quarta-feira (6/3), a fim de baratear os preços dos alimentos, no Palácio do Planalto, de forma meio improvisada, com vários ministros, secretários, representantes de entidades do varejo e do agronegócio, além de jornalistas. Contudo, ainda há dúvidas sobre a eficácia do pacote, pois analistas alertam que o principal problema da popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a inflação, não deverá ser controlada facilmente. 

Conforme o anúncio, foram zeradas as tarifas de importação de azeite, atualmente de 9%, de milho (7,2%), de óleo de girassol (de até 9%), da sardinha (32%), de biscoitos (16,2%), de macarrão (14,4%), de café (9%), de carnes (de até 10,8%) e de açúcar (de até 14%). Essas medidas, no entanto, ainda precisam ser aprovadas pela Câmara de Comércio Exterior (Camex). O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Geraldo Alckmin, espera que isso ocorra “nos próximos dias”, mas não precisou quando.

Um fato curioso é que as conversas e a divulgação do pacote de medidas foram liderados por Alckmin, sem a presença do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas. Este último deveria ser o responsável para fazer os cálculos do impacto fiscal das renúncias tributárias, que não foram revelados no anúncio. Vale lembrar que o titular da Fazenda não tinha compromissos públicos na agenda desta quinta-feira (6/3) e, nesta sexta-feira (7/3), só aparece uma entrevista para um podcast à noite, em São Paulo.

As principais falas principais do anúncio do pacote ficaram por conta de Alckmin, Rui Costa, ministro-chefe da Casa Civil, e Carlos Fávaro, da Agricultura. Pela Fazenda, quem falou foi o secretário de Política Econômica da Fazenda, Guilherme Mello. Segundo eles, ainda haverá medidas de estímulo à produção de alimentos da cesta básica no Plano Safra e o fortalecimento dos estoques reguladores. 

Mas a ausência de Haddad, que só deverá retornar a Brasília na próxima semana, foi percebida por analistas ao apontarem a desconfiança na eficácia do pacote. “Esse anúncio é mais um sinal de que o governo está desarticulado em várias áreas”, avaliou uma fonte da área econômica que pediu anonimato.

A mesma fonte destacou que um dos motivos de incertezas é o fato de que os ministérios do Planejamento e Orçamento e da Fazenda, têm feito análises divergentes sobre riscos de medidas de impacto fiscal, como o novo programa de renegociação da dívida dos estados, o Propag, que poderá custar mais de R$ 1 trilhão aos cofres públicos. “Estamos vendo um governo fraco com um Ministério da Fazenda fraco. E um anúncio de medidas econômicas sem o ministro da Fazenda e o secretário da Receita parece mais um balão de ensaio”, afirmou. 

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, também considerou ruim o anúncio do pacote de medidas para segurar o preço dos alimentos importados. “Isso não resolve a situação. A maior parte dos produtos tem ampla produção doméstica e o corte de imposto de importação não vai ajudar”, alertou. Para ele, o direcionamento do Plano Safra também deixa dúvida sobre quem vai deixar de receber. “Estão tentando resolver um problema criando outra distorção”, lamentou o economista.

A economista Selene Peres Nunes, uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ressaltou ainda que a redução da alíquota de importação afeta a economia por diversos canais interligados. “Fatores importantes que ainda requerem análise são os diferenciais de preços entre os mercados nacional e internacional e a parcela da produção que poderá ser destinada à exportação, mas, certamente, há tendência de aumento do dólar porque a queda das tarifas de importação tende a aumentar a demanda por produtos estrangeiros, elevando as importações. Com isso, há maior demanda por câmbio, o que pode gerar uma depreciação cambial. Logo, não deverá afetar a inflação, pois a redução tarifária torna os produtos importados mais baratos, o que poderá reduzir os preços internos desses produtos, os custos e a inflação. No entanto, uma possível depreciação cambial tende a atenuar esse impacto, tornando as importações mais caras em moeda local”, alertou. Além disso, ela lembrou que não é verdade que aumentos de financiamento do Plano Safra possam compensar os efeitos da redução de tarifas, “porque a demanda por produtos nacionais terá sido afetada e faz pouco sentido aumentar o endividamento dos produtores se eles não poderão vender seus produtos de forma competitiva”.

“O mais provável é que haja uma redução do crescimento econômico e um aprofundamento do efeito de crowding out – expulsão do setor privado pelo aumento do deficit público. O efeito líquido dependerá da estrutura da economia, da elasticidade da demanda por importações e da resposta da política monetária e fiscal ao novo cenário. Contudo, as previsões não são favoráveis”, completou.