Novo pacote de Haddad ainda é incerto e não deve resolver problema fiscal

Pacote de quatro medidas para substituir aumento do IOF anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ainda tem impacto incerto e não deve equilibrar as contas públicas, segundo analistas

Fernando Haddad Crédito: ED Alves/DA Press

As quatro medidas anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como alternativas ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) – que teve forte rejeição entre os parlamentares – ainda não são garantia de que o atual governo conseguirá equilibrar as contas públicas, mesmo com os descontos já previstos em lei nas despesas com precatórios (dívidas judiciais) para o cumprimento da meta fiscal, de acordo com especialistas ouvidos pelo Blog.

O novo pacote com as medidas alternativas ao aumento do IOF, que ainda será enviado ao Congresso Nacional, foi anunciado por Haddad, domingo à noite, após reunião com os líderes e os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e segue incerto sobre a sua eficácia, pois o ministro ainda vai discutir com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) os detalhes das propostas e o governo ainda não tem assegurado o apoio dos parlamentares.

Haddad vinha defendendo o fim dos supersalários nos Três Poderes, proposta que tem várias matérias engavetadas há anos no Legislativo, mas a proposta não foi bem-recebida na reunião de líderes, Motta e Alcolumbre, ontem à noite, na Residência Oficial da Câmara. Pelo visto, falta coragem e vontade para os parlamentares colocarem em votação a proposta que é bem-vista pela população e que visa acabar com os privilégios de uma casta que rem rendimentos acima do teto do funcionalismo, atualmente, de R$ 46.366,19 mensais.

O novo pacote conta, por exemplo, com o aumento da taxação das apostas eletrônicas (bets), com um aumento de 12% para 18%. Haddad anunciou, ontem, também a taxação de 5% sobre os títulos de crédito emitidos por instituições financeiras para financiar atividades do setor imobiliário (LCI) e do agronegócio (LCA). Outra medida será a publicação de um novo decreto para recalibrar a norma que aumentou o IOF. E, finalmente, o governo ainda pretende retomar a agenda de revisão dos gastos tributários, por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que propõe corte linear de 10% nas renúncias fiscais concedidas a empresas, com exceções para o Simples Nacional, cesta básica e entidades imunes. 

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, considerou as novas medidas anunciadas por Haddad de pouco impacto fiscal e, segue acreditando que, apenas em 2027 — quando o quadro das contas públicas ficará crítico pelas projeções do próprio governo, com as despesas obrigatórias consumindo praticamente 100% dos gastos primários, zerando espaço para os discricionários (não obrigatórios) — é que será feito o esperado ajuste fiscal estrutural de fato.

“O pacote é muito mais do mesmo, de efeito neutro no mercado, porque ninguém imaginava que fosse ter uma mudança realmente mais radical nos gastos”, afirmou Vale. Para ele, a medida mais interessante é o aumento da taxação das bets, “que precisam ter alta taxação”. As outras implicam em custos adicionais repassados para a sociedade. Seguimos à espera de 2027 para um ajuste fiscal mais crível”, acrescentou.

O especialista em contas públicas Alexandre Andrade, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), disse que ainda é cedo para estimar o impacto fiscal do pacote, pois é preciso ver o texto das propostas publicadas, mas, a princípio, ele não vê medidas estruturais adotadas, como vinha sendo prometido anteriormente. “O objetivo mesmo será compensar o que será perdido com a revisão no decreto do IOF”, destacou. Andrade também não vê impacto fiscal muito forte dessas medidas, pois ainda há muitas incertezas.

Contingenciamento

Vale lembrar que, no dia 22 de maio, ocasião da divulgação atrasada do relatório de avaliação de receitas e despesas do primeiro bimestre do ano, o governo precisou anunciar um contingenciamento de gastos da ordem de R$ 31,3 bilhões e o aumento das alíquotas do IOF, mas depois recuou em parte nas medidas. A expectativa inicial do governo era arrecadar com a nova alíquota do IOF R$ 20,5 bilhões, neste ano, e R$ 41 bilhões, no ano que vem. Logo, as contas seguem desequilibradas mesmo com o discurso do governo de que está cumprindo o arcabouço fiscal – mas esquece que só consegue isso com os descontos de despesas com precatórios (dívidas judiciais), que são permitidos até 2026.  

Nâo à toa, diante da piora do quadro fiscal, a agência de classificação Moody’s rebaixou a perspectiva da nota de risco dos títulos soberanos do Brasil de “positiva” para “estável”, enterrando as chances de um upgrade na classificação do país nos próximos meses, como era esperado pelo governo. Atualmente, a nota do Brasil é Ba1, um nível abaixo do grau de investimento, o almejado “selo de bom pagador”, que foi perdido em 2015, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

A avaliação de especialistas é de que a receita com esse novo pacote ainda não é garantida, especialmente, no corte de 10% das renúncias fiscais, que giram em torno de R$ 536,4 bilhões, neste ano, e saltam 15,7%, no próximo ano, para R$ 620,8 bilhões, de acordo com dados do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO). Logo, o governo precisaria cortar nada menos do que R$ 53,6 bilhões, neste ano, e R$ 62 bilhões, em 2026, se a proposta for aprovada no Congresso.

“Como essas medidas precisam de aprovação do Legislativa, ainda há alguma incerteza”, destacou Andrade, da IFI. Ele lembrou que o aumento do IOF era bom para o governo, porque não dependia de aprovação do Congresso.

Estimativas preliminares

Conforme cálculos preliminares da Warren Investimentos, o impacto de três das quatro medidas anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como alternativas ao aumento do IOF, em termos atualizados, podem ter um efeito anual de R$ 73 bilhões, sobre a receita total do governo federal, mas um impacto de R$ 36,5 bilhões na receita líquida, ou seja, após as transferências para estados e municípios. 

Pelas estimativas da instituição financeira, o aumento da taxação sobre as bets seria de R$ 20 bilhões. A tributação de 5% sobre as LCI e LCA deverá representar uma arrecadação de R$ 3 bilhões aos cofres públicos. Já a redução de 10% de gastos tributários, implicaria em uma economia de R$ 50 bilhões, algo ainda incerto, pois depende da aprovação de uma PEC – que exige a aprovação de, pelo menos, ⅗ (três quintos) dos parlamentares da Câmara (308 votos) e do Senado (49), em dois turnos nas duas Casas.

Na avaliação do diretor da IFI, o governo vai acabar apostando as fichas no Projeto de Lei (PL) nº 2632/2025 que autoriza a União a vender o petróleo em jazidas do pré-sal localizadas em áreas marítimas não concedidas e vizinhas aos campos que estejam em produção, de autoria do Ministério de Minas e Energia (MME) e enviado ao Congresso. A expectativa do governo é arrecadar R$ 20,25 bilhões, neste ano, e R$ 15 bilhões, no próximo.

“A Fazenda quer que essa receita do petróleo seja um plus para reduzir o contingenciamento”, disse Andrade. Ele lembrou que existem algumas medidas de caráter regulatório que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) deverá adotar, como a revisão do preço de referência do petróleo para o cálculo de royalties e participações. “Mas essa medida da ANP vai ter muita resistência das empresas do setor, que podem querer judicializar a questão”, alertou.