O Brasil deverá atravessar 2026 com uma questão que deverá ser consensual no debate eleitoral: o ajuste fiscal será inevitável, diante da perda de credibilidade do arcabouço fiscal, na avaliação do economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita. Ele alerta sobre a necessidade de um ajuste fiscal de 4% do Produto Interno Bruto (PIB), que, considerando o PIB nominal de R$ 12,7 bilhões previstos pelo Ministério da Fazenda neste ano, implica em um corte de gastos da ordem de R$ 508 bilhões.
“O noticiário tem ressaltado os furos às regras da meta e de crescimento das despesas. Sabemos que o arcabouço impõe um ajuste fiscal gradual, mas quando as exceções aumentam, isso acaba com a credibilidade da regra”, alertou Mesquita, nesta terça-feira (25/11), durante a apresentação a jornalistas das estimativas macroeconômicas do banco para este ano e o próximo, em referência aos descontos que são feitos nas contas públicas para o governo cumprir a meta fiscal.
“Essa dinâmica das exceções é preocupante e uma discussão que vai ser feita no próximo governo é se é possível ou não continuar fazendo um ajuste fiscal gradual ou se não é o caso de antecipar esse ajuste para o início do primeiro ano do próximo governo”, destacou.
Conforme as últimas projeções da equipe econômica, para conseguir cumprir a meta fiscal pelo piso — que permite um rombo de até R$ 31 bilhões neste ano –, o governo precisará fazer um contingenciamento de R$ 3,3 bilhões. Este, por sua vez, será somado ao bloqueio remanescente de R$ 4,4 bilhões — antes de R$ 12,1 bilhões –, totalizando uma contenção de R$ 7,7 bilhões no último bimestre do ano, mesmo aumentando os abatimentos da meta fiscal, que somam R$ 44,5 bilhões, incluindo precatórios (dívidas judiciais) e outras despesas que ficaram fora da meta.
Pelas estimativas do Itaú Unibanco, o governo precisará de um ajuste fiscal da ordem de 4,0 pontos percentuais do PIB para conseguir colocar as contas públicas no azul, aumentando o superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) para 3% do PIB, e, assim, estabilizar a dívida pública bruta em 80% do PIB. “Mas estabilizar a dívida pública em 80% do PIB ainda não é suficiente para o Brasil recuperar o grau de investimento, apesar de o padrão das agências de risco, atualmente, ser menos restritivo”, alertou Mesquita.
O Brasil perdeu o grau de investimento em 2015, após desequilibrar as contas públicas e registrar sucessivos rombos fiscais desde então. O ideal para o país recuperar o selo de bom pagador das agências de rating, segundo Mesquita, seria fazer com que a dívida pública bruta recuasse para o patamar de 60% do PIB — algo difícil, mas não impossível. “Isso não é possível do dia para a noite, mas exige o ataque ao problema do gasto tributário para colocar a dívida em uma trajetória de queda”, alertou o economista.
Conforme as estimativas do Itaú Unibanco, a dívida pública bruta do país deverá encerrar o ano em 79% do PIB e saltará para 85% do PIB no fim do próximo ano. O banco prevê alta de 2,2% do PIB neste ano e, para 2026, elevou de 1,5% para 1,7%, e Mesquita admite “um viés de alta” no ano que vem, com o PIB podendo crescer em torno de 2%, como neste ano, devido aos estímulos fiscais dos governos que aumentam em anos de eleição.
“Pelo histórico, os aumentos de gastos dos governos têm superado as nossas projeções em ano eleitoral”, afirmou. As projeções do Itaú já consideram o impacto da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e redução do IR de quem ganha até R$ 7,3 mil. O banco prevê um impulso de 0,3% no PIB do próximo ano, considerando a injeção de R$ 35 bilhões no consumo por essas pessoas que deixarão de pagar imposto.
Outro estímulo na conta é o impacto da ampliação do público do consignado privado que poderá chegar a 0,2% do PIB por conta do aumento no ritmo de concessão de empréstimos, totalizando uma expansão de 0,5 ponto percentual no PIB de 2026 incorporados na conta e que justificaram a revisão para cima da estimativa do PIB do próximo ano. Algumas medidas que estão no radar, como o possível aumento de R$ 50 no Bolsa Família e ampliação do Programa Pé-de-Meia, ainda não estão incorporadas nesta conta.
Política monetária e economia global
Pelas estimativas de Mesquita, a taxa básica da economia (Selic), atualmente em 15% ao ano, mas o Banco Central deve começar a cair em janeiro e, para isso, o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom), deverá dar alguma sinalização agora, em dezembro, na última reunião do ano. Contudo, ele prevê um ritmo de corte mais lento, pois as estimativas para dezembro de 2026 para a taxa Selic são de 12,75% anuais, acima da mediana do mercado, de 12% ao ano, conforme dados do boletim Focus, do Banco Central, desta semana.
“O que pesa nessa previsão é a trajetória esperada da inflação, que continua acima do centro da meta e, por isso, não vemos espaço para muita queda dos juros lá na frente”, disse o economista-chefe do Itaú, que prevê o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – que mede a inflação oficial – encerrando o ano no limite do teto da meta de 4,5%, neste ano, e, em 2026, fechando o ano a 4,2%.
No cenário global, o banco manteve em 3,2% as projeções de crescimento do PIB mundial, neste ano e no próximo, e fez alerta sobre a questão do mercado de trabalho nos Estados Unidos por conta dos avanços da inteligência artificial (IA) que está fazendo com que o desemprego entre jovens seja maior do que entre os mais velhos.
Além disso, Mesquita destacou que se a Bolsa dos EUA não tivesse listada as sete magníficas – Apple, Microsoft, Alphabet (dona do Google), Meta (dona do Facebook), Nvidia e Tesla – o PIB dos EUA não estaria crescendo 2%, neste ano e no próximo, pois, sem elas, o crescimento anualizado do PIB da maior economia do planeta seria de 3,0 pontos percentuais a menos.
Por conta da tributação de dividendos a partir do ano que vem como uma das medidas para compensar a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, Mesquita ainda prevê a saída de US$ 25 bilhões a US$ 35 bilhões, no fim deste ano, como antecipação da medida de empresas estrangeiras — dado acima da média histórica de US$ 15 bilhões –, o que poderá mexer um pouco no câmbio nos próximos dias.