Gastos do governo em áreas sociais são menores do que o orçado, alerta Inesc

Gastos do governo nas áreas sociais no primeiro semestre de 2024 ficaram abaixo do volume autorizado no Orçamento, segundo estudo do Inesc divulgado nesta terça-feira (20/8)

Apesar do aumento sucessivo do rombo fiscal em 2024, os gastos do governo federal em áreas sociais ficaram menores do que o esperado no primeiro semestre, conforme estudo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) sobre os gastos do Orçamento da União no primeiro semestre divulgado nesta terça-feira (20/8).

O estudo de 37 páginas analisa a execução financeira do Estado para as nove áreas que a organização acompanha: Educação, Direito à Cidade, Geração Distribuída de Energia, Meio Ambiente e Clima, Povos Indígenas, Quilombolas, Igualdade Racial, Mulheres, Crianças e Adolescentes.

De acordo com a entidade, os gastos realizados pelo governo federal em áreas sociais e ambientais ficaram menores do que o esperado neste primeiro semestre. Em alguns setores, a situação se agrava ainda mais pela baixa execução orçamentária do total previsto para 2024, segundo o levantamento.

“As informações são pouco alvissareiras. Com algumas exceções, no geral, os gastos estão muito aquém do desejado e, em certos casos, não há qualquer execução entre janeiro e junho deste ano. É claro que ainda há um semestre pela frente para melhorar o desempenho, mas se trata de um quadro que preocupa, porque grande parte das políticas públicas requer gastos contínuos, de modo a
evitar interrupções ou atrasos nos atendimentos”, destacou a apresentação do levantamento.

Na Educação, por exemplo, embora a maior parte dos programas tenha registrado gastos proporcionais ao semestre – uma média de 50% do total orçado para 2024 –, os recursos executados para a subfunção “Educação de Jovens e Adultos” não ultrapassou 6% do autorizado para o ano. Dos R$ 342 milhões disponibilizados, foram usados R$ 20,8 milhões. 

Cleo Manhas, assessora política do Inesc, destaca que entre os motivos para o desembolso de recursos abaixo do previsto são o novo arcabouço fiscal e o grande volume de emendas impositivas dos parlamentares, que foram recentemente suspensas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “O governo está com um ajuste fiscal muito rígido e uma coisa que foge do Executivo, e as emendas que os parlamentares fazem não estão no Plano Plurianual (PPA) e, muito menos, possuem rastreabilidade”, lamentou a técnica.  “Isso é uma contradição que vivemos. O Congresso abocanha boa parte dos recursos para os investimentos da União nas emendas, mas apenas 800 municípios das mais de 5,5 mil cidades do país receberam emendas sem nenhum critério ou de combate à desigualdade”, afirmou. 

Manhas elogiou a decisão do ministro do STF Flávio Dino, que exigiu mais transparência e rastreabilidade, tanto das emendas Pix quanto das emendas impositivas, que seguem crescendo desde 2015, reduzindo o espaço orçamentário para o governo implementar políticas públicas para toda a população. “O dinheiro entra no caixa único das prefeituras e ninguém sabe para onde vai”, acrescentou a assessora política do Inesc.  Por sua vez, ela criticou o fato de o Ministério da Saúde ser o órgão com maior volume de congelamento gastos do Orçamento deste ano, sofrendo um bloqueio de R$ 4,4 bilhões do total de R$ 15 bilhões contingenciados ou bloqueados.

Conforme dados do estudo, os gastos no Ministério das Cidades revelam o quanto as enchentes no Rio Grande do Sul foram tratadas com prioridade máxima pela União, pois o governo federal executou 97% de todo o recurso de 2024 para a ação “Apoio Financeiro Reembolsável mediante Financiamento e outros Instrumentos Financeiros para Projetos de Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima”. “Porém, se uma nova catástrofe acontecer neste ano, fica a dúvida quanto a novos recursos para enfrentá-la”, destacou o relatório.  

Um dado preocupante do estudo é sobre a implementação de Geração Distribuída (GD) de energia pelo governo federal. Segundo o levantamento, as únicas ações que versam sobre o tema neste ano estão alocadas no Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, com R$ 2,432 milhões autorizados, “mas sem nenhum valor executado ainda”. 

Nas ações de “Regularização Fundiária, Proteção e Gestão dos Territórios Indígenas”, o governo federal executou R$ 28,8 milhões de um montante autorizado em R$ 315,5 milhões, no primeiro semestre de 2024, apesar de haver registrado um empenho de R$ 167,3 milhões (53% do recurso autorizado). “A  distância entre recursos empenhados e os efetivamente pagos sinalizam dificuldades estruturais para a realização de uma política indigenista no país, além da própria natureza dos gastos para essa população, que tendem a demorar mais para serem concluídos”, destacou o relatório.

Com base no levantamento, o Inesc fez um alerta que, embora haja um semestre pela frente para que os recursos orçados sejam efetivamente gastos, os dados de janeiro a junho preocupam, pois grande parte das políticas públicas requer gastos contínuos de modo a evitar interrupções ou atrasos nos atendimentos. “É bem provável que muitos desses atrasos ocorram pela dificuldade de estados e municípios se organizarem para receber o recurso federal por meio de convênios. Além disso, existe a necessidade de recompor as equipes de instituições desmontadas na gestão de Jair Bolsonaro”, destacou o documento.

Conforme dados do Tesouro Nacional, em junho, as contas do governo registraram um saldo negativo de R$ 38,8 bilhões, o quarto pior para o mês desde o início da série histórica, iniciada em 1997. No acumulado em 12 meses, o rombo fiscal até o sexto mês do ano, somou R$ 260,7 bilhões, o o equivalente a 2,29% do Produto Interno Bruto (PIB), saldo negativo bem distante da meta fiscal de 2024, que prevê o um deficit zero ou de, no máximo, R$ 29 bilhões (0,25% do PIB).

Ao comentar sobre o estudo para o Blog, Cleo Manhas ressaltou que o teto de gastos se mostrou completamente inviável. “O discurso econômico é muito distorcido e parece que cumprir as metas, não apenas do teto e da inflação, é mais importante do que combater a fome”, afirmou. Ela criticou o fato de que os gastos com Educação são mais questionados do que os subsídios da União para o petróleo e o agronegócio que utiliza agrotóxicos.  “Existe muita contradição e dois lados da mesma moeda”, ressalta ela, lembrando que outra contradição é o fato de a proposta de regulamentação da reforma tributária prever que armas e munições devem permanecer fora da cobrança do imposto seletivo (IS), o chamado “imposto do pecado”.

De acordo com o estudo, não se pode negar que o Brasil está gastando menos do que deveria ao obedecer uma austeridade fiscal a qualquer custo, “prejudicando especialmente as pessoas empobrecidas, agravando o racismo e o sexismo. Diante das enormes dívidas do país nas áreas social, ambiental e climática, é preciso mais recursos públicos e não menos”. A morosidade na execução dos recursos esteve presente ainda nos programas e ações voltados às crianças e aos adolescentes.

O relatório do Inesc aponta que, ações governamentais que visam garantir o direito dos quilombolas, o programa “Governança fundiária, reforma agrária e regularização de territórios quilombolas e de povos e comunidades tradicionais” teve um valor autorizado de R$ 144,3 milhões, para os 12 meses de 2024. E, nos primeiros seis meses, foram empenhados R$ 25,3 milhões, dos quais, R$ 3,4 milhões foram pagos.

Por outro lado, conforme os dados do estudo do Inesc, o tema da Igualdade Racial recebeu um orçamento de R$ 130,5 milhões, neste ano, quase o dobro do que foi alocado em 2023. Tal aumento materializa a prioridade que esse assunto vem sendo tratado pelo governo federal, com o novo Ministério da Igualdade Racial.