Fitch: Desempenho econômico superior do Brasil não alivia a incerteza fiscal

Em novo relatório, Fitch Rating, eleva previsão de crescimento do Brasil neste ano, para 2,8%, mas também prevê rombo fiscal maior no ano que vem, chegando a 1% do PIB

No dia em que o Banco Central divulgou o Relatório de Trimestral de Inflação (RTI) melhorando a projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2024, de 2,3% para 3,2%, a agência norte-americana de classificação de risco Fitch Rating divulgou, nesta quinta-feira (26/9), um relatório com novas projeções para o país jogando um balde água fria colocando foco na piora das contas públicas, pois passou a prever um rombo fiscal de 1% do PIB no próximo ano, bem acima das estimativas do mercado, entre 0,8% e 0,9% do PIB.

“A economia do Brasil continua a demonstrar forte impulso, mas isso não está se traduzindo em desempenho superior semelhante nas finanças públicas. Os desafios fiscais persistem e aumentarão no ano que vem”, alertou a Fitch. Antes, a projeção para o rombo no ano que vem era de 0,7% do PIB e o máximo de 0,6% permitido pelo arcabouço fiscal considerando a isenção de 0,35 ponto percentual para os precatórios (dívidas judiciais).

A Fitch elevou sua previsão de crescimento real do PIB de 2024 para o Brasil de 1,7% para 2,8% em seu recente Global Economic Outlook. “A atividade se mostrou resiliente à política monetária rígida, o crescimento do crédito foi retomado, os indicadores do mercado de trabalho são fortes e o impacto das graves inundações em maio foi limitado”, destacou a agência. Para 2025, a Fitch prevê desaceleração do crescimento do PIB brasileiro para 2% a partir de 2025, e para a dívida pública bruta, avanço de 74,4% do PIB, em 2023, para 77,8%, do PIB, neste ano, e, para 83,9% do PIB, em 2026. “Isso é mais rápido do que o previsto anteriormente, ampliando a lacuna para a mediana da categoria “BB” de 55%”, informou a nota da agência

Segundo a instituição, o forte crescimento foi acompanhado por um desempenho fiscal mais fraco do que o esperado em relação às projeções orçamentárias originais de 2024. “O desempenho superior da economia pode resultar, em parte, da posição fiscal frouxa”, informou a nota da agência. De acordo com a instituição norte-americana, se o desempenho fiscal for fraco quando o crescimento for forte, ele poderá se deteriorar ainda mais em uma desaceleração inesperada. “Perspectivas incertas de consolidação são, portanto, uma vulnerabilidade macroeconômica fundamental que restringe a classificação soberana “BB”/Estável do Brasil”, acrescentou. Atualmente, a classificação de risco do país está em BB-, dois degraus abaixo do grau de investimento.

De acordo com a Fitch, a administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está mirando uma consolidação fiscal gradual entre 2024 e 2026, após deixar o rombo das contas públicas aumentar em 2023 “para acomodar o aumento dos gastos sociais”. “O governo pretende fazer isso aumentando substancialmente as receitas e contendo os gastos para que não ultrapassem o crescimento econômico, mas enfrenta dificuldades em ambas as frentes”, alertou.

Em relação ao novo arcabouço fiscal, a instituição faz ressalvas de que o governo está em um terreno muito perigoso por focar no limite inferior da meta. A regra permite um rombo de até 0,25% do PIB, mas como existe a liberação de 0,35 pontos percentuais para gastos extraordinários relacionados às enchentes do Rio Grande do Sul, o deficit primário deste ano poderá chegar até a 0,6% do PIB . “A Fitch espera que o governo consiga isso, mas não seria um começo auspicioso para o processo de consolidação”, alertou.

Além disso, a Fitch fez os mesmos alertas dos especialistas em contas públicas, destacando que as principais medidas de receita são transitórias ou têm benefícios incertos. “Medidas administrativas, ou seja, acordos de disputas fiscais facilitados pela reforma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) não geraram as receitas previstas, e, para compensar, o governo dependerá de dividendos maiores do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de royalties além de diversas medidas aprovadas pelo Congresso, como o uso do “dinheiro esquecido” nos bancos. Essas medidas improvisadas mostram um comprometimento com as metas fiscais, mas não oferecem melhorias fiscais estruturais”, afirmou.

Enquanto isso, a agência ressaltou ainda que a contenção de gastos pelo governo continua sendo “desafiador”. “As pensões e benefícios previdenciários pensões aumentaram mais rápido do que o esperado neste ano, levando a cortes nas despesas discricionárias para cumprir com um teto de gastos. A indexação e a vinculação manterão a pressão sobre as despesas sociais nos próximos anos, exigindo uma nova redução das despesas discricionárias para compensar o que pode eventualmente se tornar inviável”, destacou a Fitch, em referência ao bloqueio adicional de R$ 2,1 bilhões anunciado na última sexta-feira (21).

Procurada, a assessoria especial do Ministério da Fazenda informou que “a nota da agência Fitch não considera dois elementos fundamentais: a reoneração gradual da folha de pagamentos com as compensações exigidas pelo STF e o fim do Programa Especial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) em 2025”.