Fala de Haddad sobre pacote não segura o dólar, que passa de R$ 6

Para o mercado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, perdeu a batalha com a ala política e ajuste fiscal segue incerto. Perda da credibilidade pode fazer juros subirem mais e piso da Selic pode ficar entre 13% e 14%

Crédito: ED Alves/DA Press

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece que perdeu a habilidade política, pois ouviu palpites equivocados ao misturar, ontem, o anúncio do pacote de corte de gastos de R$ 70 bilhões até 2026 com a mudança da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil ao mês. A sinalização foi a pior possível para o mercado, porque mostrou que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não conseguiu convencer a ala política e gastadora do governo petista e fez o dólar disparar novamente e bater novo recorde, nesta sexta-feira (28/11), rompendo a barreira de R$ 6, antes do meio dia.

Não adiantou os ministros Fernando Haddad, Simone Tebet (Planejamento) e Rui Costa (Casa Civil), marcarem uma entrevista coletiva bem cedo, antes da abertura dos mercados. O mau humor e a desconfiança já estavam refletidos desde a véspera, quando a mudança no IR vazou por um ministro que nem era da equipe econômica e o dólar fechou em R$ 5,91 pela primeira vez desde o início do Plano Real. A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) opera no vermelho, com queda de 1,40%, por volta das 12h30, a 125,8 mil pontos.

O pacote de R$ 70 bilhões, contudo, é considerado insuficiente para equilibrar as contas públicas e tem medidas incertas, segundo especialistas na área fiscal. E, mesmo o governo afirmando que haverá compensação na mudança do Imposto de Renda e que a medida só terá efeito em 2026, o estrago já foi feito.

Analistas, agora, estão contabilizando os prejuízos do anúncio equivocado e mal explicado do governo e já estão revendo as projeções para a inflação, para o câmbio e também para os juros. O consenso é que o Banco Central vai ter mais trabalho para conter as pressões inflacionárias com o dólar em um novo patamar. Alguns já acreditam que a taxa básica da economia (Selic), atualmente em 11,25% ao ano, poderá subir 0,75 ponto percentual na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em dezembro. Logo, as apostas para o piso para a Selic no fim do ciclo de alta de juros estão passando para algo entre 13% e 14% ao ano.

Na avaliação do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, a política acabou atropelando a equipe econômica e, agora, Haddad saiu fragilizado nesse episódio. “Não tem alternativa para a equipe econômica. A política com o Lula, neste mandato, está vencendo todas. Nem o câmbio a R$ 6 incomoda porque, no fundo, há a visão equivocada que isso vai ser bom pra exportação, aquelas histórias velhas do PT”, lamentou o analista. 

Vale reconheceu que o aumento da isenção do Imposto de Renda tem um grande apelo por parte do Congresso para ser aprovado, mas “não está muito claro como o governo vai conseguir compensar o benefício”. “Provavelmente, o governo vai acabar ampliando o deficit das contas públicas. E temos um cenário em que o pacote fiscal está aquém do necessário, com ajustes estruturais muito preliminares e muito incipientes. Vai ser preciso fazer outro ajuste fiscal muito mais profundo a partir de 2027”, acrescentou. 

Na avaliação de Vale, o quadro fiscal deve piorar com essa isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil, e o mercado financeiro não vai se acalmar nos próximos meses. “Vamos continuar com muita tensão ao longo dos próximos dois anos”, emendou. 

O economista e consultor André Perfeito foi categórico após o anúncio de Haddad. Para ele, a fala do ministro não deve alterar os preços dos ativos hoje. “O ministro reiterou o esforço fiscal do governo, mas não trouxe detalhes. Dito isso, não devemos ver alterações significativas nos preços chave da economia, em especial o dólar e os juros. A fala protocolar de Haddad reitera a perspectiva gradualista do governo. Mantemos a recomendação em títulos pós-fixados”, resumiu.

O especialista em contas públicas Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, também foi categórico ao afirmar que as dimensões do pacote são “inferiores às necessárias para recobrar credibilidade e alcançar equilíbrio fiscal”. “Entendemos que as ações anunciadas pelo ministro são positivas, em geral, colaborando para o ajuste das contas. Entretanto, são insuficientes para produzir um resultado primário adequado à meta estabelecida em lei”, afirmou. 

Para Salto, a mudança na isenção do Imposto de Renda é preocupante, porque “poderá representar perda de receita, a depender de como for desenhada a compensação citada”. “Apesar de a estimativa contida no pronunciamento indicar um efeito de R$ 70 bilhões, esse montante, incerto, se viabilizado, seria insuficiente para as necessidades do ajuste fiscal e do alcance das condições de sustentabilidade da dívida em relação ao PIB”, alertou. 

Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, lamentou a confusão gerada pelo governo no mercado financeiro, fazendo o dólar disparar para um novo patamar, de R$ 6.  “Infelizmente é só o começo. Essa alta do dólar, hoje, é só a pressão interna. O governo Donald Trump, quando assumir a Casa Branca, em janeiro, pode puxar o dólar ainda mais para cima”, alertou.

O economista e consultor André Perfeito reconheceu também que a fala no ministro Haddad não acalmou o mercado e não impediu que o dólar rompesse a barreira de R$ 6. “O mercado não viu na fala do ministro nada substancial na apresentação. Contudo o maior problema foi, na minha percepção, misturar as medidas de corte com a isenção do IR até R$ 5 mil. Isso tem gerado mais ruído que o necessário”, lamentou.

Tiago Sbardelotto, economista da XP Investimentos, engrossou o coro avaliando o pacote de Haddad como “modesto”. “Nossa visão é de que o pacote é modesto, aquém do que o governo anunciou e, de fato, vemos uma composição negativa. Há medidas positivas, estruturantes, como a mudança na regra do salário mínimo, que é bem-vinda, mas ainda assim ficou abaixo do esperado pelo mercado. O salário mínimo ainda vai crescer acima do arcabouço no longo prazo, o que preocupa, pois deve pressionar a despesa”, destacou. Para ele, as mudanças previstas no Benefício de Prestação Continuada (BPC), podem gerar uma economia duradoura, reduzindo a elegibilidade do benefício. As alterações no Fundo Constitucional do Distrito Federal (FGDF) e no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), podem promover economias, embora estimativa da XP “seja menor do que a do governo”. Para ele, a maior parte do pacote anunciado traz apenas maior flexibilidade na gestão, permitindo cortes de despesas, ou inclui medidas já vigentes e, portanto, são de curto prazo, e “não alteram a tendência de crescimento da despesa”.

“Em resumo, nossa visão é de que a composição do pacote é negativa, mais tímida do que o mercado esperava, e o governo perdeu a oportunidade de fazer um ajuste mais profundo para manter o arcabouço fiscal. Apesar disso, acreditamos que o arcabouço se mantém em 2025 e 2026 com essas medidas, mesmo que modestas, mas vemos risco a partir de 2027-2028, podendo ser necessária uma nova reforma daqui a dois ou três anos”, analisou.