Em 2024, a economia brasileira cresceu acima do esperado pelo mercado e o rombo das contas públicas diminuiu em relação ao ano anterior, contudo, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não conseguiu avançar na agenda ambiental e educacional, apesar das promessas de campanha para se diferenciar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que conseguiu vários retrocessos nessas áreas.
De acordo com dados do relatório Orçamento e Direitos: balanço da execução de políticas públicas, divulgado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), nesta terça-feira (29/4), no segundo ano do terceiro mandato de Lula, áreas essenciais para a realização de direitos humanos seguem sub financiadas. O documento, de 163 páginas, aponta que o espaço fiscal segue limitado pelo novo arcabouço fiscal. Na avaliação do instituto, os gastos sociais estão sendo reprimidos e programas com vinculação constitucional, como Saúde e Educação, seguem sofrendo cortes, na contramão do avanço das emendas parlamentares que saltaram de R$ 5 bilhões, em 2015, para R$ 50 bilhões, neste ano.
“Podemos dizer que a principal mensagem desse estudo é que uma política de austeridade, que regras fiscais muito austeras, dificultam a realização dos direitos, dificultam a progressividade desses direitos”, explica Cleo Manhas, assessora política do Inesc. Segundo ela, as políticas sociais estão sendo muito espremidas, “tanto pelo arcabouço fiscal, quanto pelo volume enorme que vão para as emendas parlamentares, que é uma outra mensagem que esse estudo passa”.
“O relatório do Inesc aponta que, apesar de prioritária, a crise climática também segue como uma pauta negligenciada pelo governo Lula. A previsão de R$ 1,9 bilhão de recursos prevista pela Lei Orçamentária Anual (LOA) para o Programa de Gestão de Riscos e Desastres em 2024 — destinado à prevenção, recuperação e resposta a catástrofes —, por exemplo, “revelou-se flagrantemente insuficiente diante dos eventos extremos ocorridos ao longo do ano”. Com isso, foram necessários créditos extraordinários no valor de R$ 5 bilhões para ações emergenciais frente às enchentes, secas e queimadas. Mas, ainda assim, quase não houve investimentos em prevenção às tragédias climáticas, reflexo também de falhas na implementação da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil.
Diante desse quadro, na avaliação do Inesc, a capacidade do Brasil de liderar a agenda ambiental global às vésperas da 30ª Conferência sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (COP 30), que será realizada em Belém, em novembro, está comprometida. “Só há recursos depois do desastre. Prevenção exige estratégia, coordenação federativa e orçamento. Não dá para improvisar”, lamentou Manhas.
Deficit educacional histórico
Manhas recordou que, no governo Bolsonaro, o país teve uma perda muito grande na alocação de recursos para a Educação, e, apesar da melhora desse quadro no governo Lula, ainda há um deficit enorme e os recursos atuais são insuficientes. “Não adianta, mesmo que tenha reduzido o número de matrículas, isso é muito pequeno com relação ao que é necessário para o país conseguir cumprir as metas, propostas do Plano Nacional de Educação (PNE) e que termina agora em 2025. Mas há outro projeto para ser votado na Câmara para os próximos 10 anos, mas os recursos são insuficientes”, frisou.
Segundo a assessora política do Inesc, o governo segue abaixo das metas de avanços educacionais e com deficit histórico nessa área, apesar de o ritmo de crescimento da população mais jovem está diminuindo, como reflexo do fim do bônus demográfico, oportunidade de crescimento econômico desperdiçada pelo país. “Com relação à educação infantil, por exemplo, a meta era chegar a atender 50% da demanda por creche em 2024, mas o governo só chegou a 35%. Mesmo assim, em regiões como Norte e Nordeste, esse percentual não chegou a 20%”, lamentou.
A especialista destacou também que também existe “um deficit enorme” com a educação de jovens e adultos, a EJA. “E, para inserir todas essas pessoas no sistema, precisaríamos chegar aos 10% do PIB para educação, que é o que pede o Plano Nacional de Educação, e nós chegamos, até o ano passado, em 5% do PIB, ou seja, metade desse recurso”, emendou.
Travas do arcabouço fiscal
A porta-voz do Inesc reconheceu que o Executivo é cobrado para ter medidas de austeridade fiscal, mas o Legislativo, um dos que cobram, não faz a tarefa de casa. “Os parlamentares seguem aumentando, ano a ano, o volume das emendas, que, em 2015, a execução era em torno de R$ 5 bilhões e, agora, estamos em R$ 50 bilhões, ou seja, um aumento muito exponencial ao longo desses anos, transferindo para o Legislativo uma responsabilidade que é do Executivo, sem que essas emendas estejam de acordo com o Plano Plurianual e com o planejamento governamental, apertando o espaço fiscal para as despesas discricionárias do Executivo”, complementou Manhas.
Conforme dados levantados pelo Inesc, embora o Orçamento autorizado para 2024 tenha sido de R$ 5,78 trilhões, a execução efetiva ficou em R$ 4,98 trilhões, dos quais R$ 1,32 trilhão foi destinado ao refinanciamento da dívida pública. Com isso, os recursos para a Educação, por exemplo, aumentaram apenas 3% em termos reais em relação a 2023, alcançando R$ 166,6 bilhões em 2024, “um avanço tímido frente à demanda acumulada e às metas do Plano Nacional de Educação”. “O que estamos vendo é a contradição entre o discurso de um governo progressista e a prática de uma política fiscal austera. Há esforço de reconstrução, sim, mas falta ambição, vontade política e disputa real por Orçamento”, avaliou Manhas.
“Essa austeridade fiscal é muito cobrada do Executivo, especialmente nas políticas voltadas para as pessoas mais vulneráveis, para as políticas de transferência de renda ou as políticas de ações afirmativas, porque são discricionárias e, muitas vezes, os seus recursos estão muito apertados por esse arcabouço fiscal”, acrescentou Manhas. Para ela, o aperto fiscal vem deixando de lado a capacidade do governo de promover políticas que busquem reduzir as desigualdades, principalmente, de renda, raça e gênero.