Disparada do dólar pode fazer a inflação romper o teto neste ano

Com novas falas de Lula, dólar volta a subir e analistas não descartam inflação acima do teto da meta se dólar continuar acima de R$ 5,5

This ilustration shows a man counting US dollars in Caracas on January 28, 2019. Venezuela devalued its currency by almost 35 percent on Monday to bring it into line with the exchange rate of the dollar on the black market. The exchange rate is now fixed at 3,200 bolivars to the dollar, almost matching the 3,118.62 offered on the dolartoday.com site that acts as the reference for the black market. / AFP / YURI CORTEZ

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) resolveu dobrar a aposta e está desafiando o mercado financeiro. O dólar voltou a subir, nesta terça-feira (2/7) e vem sendo negociado perto de R$ 5,70 e analistas já estão revisando novamente as projeções para a inflação deste ano. Alguns já não descartam que, se o câmbio continuar acima de R$ 5,50, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), poderá encerrar o ano acima do teto da meta, de 4,50%.

O economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, Eduardo Velho, por exemplo, acaba de elevar a previsão para o IPCA deste ano de 4,27% para 4,41%. Ele contou que, para essa reestimativa, considerou o dólar abaixo do atual patamar, mas superior a R$ 5,10. “Considerei cenários de dólar se mantendo entre R$ 5,30 a R$ 5,50. Com a divisa norte-americana em R$ 5,50, o IPCA é praticamente 5,50%”, destacou Velho, em entrevista ao Blog. Ele, inclusive, não descarta o risco de o Banco Central ter que voltar a aumentar a taxa básica da economia (Selic), atualmente em 10,50% ao ano se o cenário piorar.

Na avaliação do economista, o dólar deverá continuar acima de R$ 5,50 se o chefe do Executivo continuar atacando o Banco Central. “Dificilmente o dólar vai recuar para menos desse patamar se Lula não parar de afirmar que terá um presidente no BC com outro perfil de gestão de juros em 2025”, alertou. Além disso, Velho destacou que, enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não conseguir aprovar medidas de corte de gastos, o dólar continuará valorizado frente ao real.

“Reiteramos que o dólar está descolado do exterior, com rigidez na faixa de R$ 5,6, mas realização
se ocorrer será moderada e ponta de compra ainda sem definir cortes e força de Haddad. Se o Banco Central considerar que essa escalada do dólar ( se persistir) e/ou sua variação está acima de sua “tendência estrutural” estimada, terá motivos para intervir no câmbio e evitar a elevação da taxa básica de juros, mas quando rompeu R$ 5,4 não havia saída externa e motivos para intervir”, destacou.

De acordo com o analista, mais preocupante do que as críticas de Lula à gestão dos juros pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, são dois sinais dados pelo chefe do Executivo. O primeiro, de que ele não aceita diversas propostas de ajuste fiscal, como desvinculação de piso de educação e saúde,
benefício e salário mínimo etc.; e segundo, a incerteza das pressões políticas para a condução dos juros em 2025. “Há uma plena racionalidade na valorização acelerada do dólar, que já acumula uma alta de 17% no ano”, ressaltou.

“Com base nesse dólar médio dos últimos dois meses, nossa previsão da inflação já subiu de 4,27% para
4,41% em 2024 e também tem efeitos autoregresssivos para cima sobre o IPCA de 2025, que hoje é o
horizonte mais relevante da política monetária. Quando o dólar começou a romper a faixa de R$ 5,4,de fato, não tinha fundamentos paro o Bacen intervir no câmbio, mas sua volatilidade mais excessiva e sobretudo a persistência da escalada, já elevou ainda mais as nossas previsões de inflação, a tal ponto que a probabilidade aumentou de intervenção via swaps adicionais e/ou venda de divisas ( leilões de linha), ou seja, não podem ser descartados no curtíssimo prazo”, acrescentou.

Velho lembrou que, há meses, ele já vinha prevendo IPCA deste ano e do próximo entre 4% e 3,87%, respectivamente, enquanto o mercado estava otimista com medianas prevendo inflação entre 3,6% e 3,7% ao ano.

Regime de metas

​O regime de metas para a inflação, iniciado em 1999, tem sido bem-sucedido no Brasil, de acordo com dados do Banco Central. O sistema vem permitindo que a inflação fique sob controle, “dentro do intervalo de tolerância na maioria dos anos-calendário”.

A meta de inflação atual, de 3%, segue a regra e tem como piso 1,5% e teto de 4,50%. Ao longo desse período, a inflação ficou fora do intervalo de tolerância em sete anos: 2001, 2002, 2003, 2015, 2017, 2021 e 2022. Conforme a regra, quando isso ocorre, o presidente do Banco Central escreveu carta aberta ao presidente do Conselho Monetário Nacional (CMN), “contendo descrição detalhada das causas do descumprimento da meta, as providências para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos e o prazo no qual se espera que as providências produzam efeito”.