Às vésperas da realização da Conferência sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP 30, no Brasil, e da forte deterioração das contas públicas, o Banco Mundial (Bird) apresenta, em um novo estudo, propostas que podem contribuir para a melhora do equilíbrio fiscal em até 5% do Produto Interno Bruto (PIB) para avançar na agenda ambiental. Trata-se do relatório “Dois por um: Políticas para Atingir Sustentabilidade Fiscal e Ambiental”, que aponta para o fato de que o governo precisará equilibrar as contas públicas para conseguir avançar em medidas de proteção ambiental e de redução de emissões dos gases do efeito estufa (GEE). Considerando que o PIB de 2024, de R$ 11,7 trilhões, essas propostas podem ter um impacto de até R$ 585 bilhões.
Logo de partida, o estudo faz um alerta de que as mudanças climáticas ameaçam intensificar os desafios fiscais do Brasil, “pois exigem políticas substanciais de redução de emissões para garantir equidade para as gerações futuras”. “Até o fim do século, o Brasil deve registrar um aquecimento significativo e variações em seus regimes pluviométricos, e o desmatamento na Amazônia tem o potencial de piorar esses efeitos”, ressaltou o documento divulgado nesta quinta-feira (26/6).
No relatório que foi antecipado ao Blog e ao Correio Braziliense, os autores afirmam que a política fiscal brasileira “não está preparada para enfrentar esses desafios: são necessárias melhorias nas áreas de sustentabilidade fiscal, investimento público inteligente em relação ao clima, tributação eficiente e conservação florestal”. Apesar de o Brasil ter metas ambientais agressivas, o estudo ainda reconhece que “as políticas fiscais do Brasil fazem pouco para incentivar medidas de redução de emissões e de preservação ambiental”.
O documento de 135 páginas apresenta várias recomendações de políticas públicas por temas e ações políticas, como controle do crescimento das despesas; aumento das receitas com a melhoria da eficiência e da equidade do sistema; acelerar a transição para energias renováveis; promover a agricultura sustentável, reduzir as emissões por meio da tributação adequada dos combustíveis fósseis e melhorar o uso da terra por meio da tributação de terras rurais.
Algumas dessas propostas fizeram parte de um relatório anterior do Banco Mundial, de 2017, que apontava a necessidade de revisão dos incentivos fiscais e gastos tributários, sugerindo medidas que previam uma redução de gastos de 8,4% do PIB. Entre elas, há uma que está agenda da equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenta emplacar, como a ampliação da base tributária do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), eliminando isenções e deduções (inclusive sobre lucros e dividendos).
O estudo ainda propõe uma reforma do federalismo fiscal para fortalecer os incentivos ambientais, aproveitando que Fundo de Participação dos Estados (FPE) que está em processo de atualização. A expectativa dos organizadores é que o governo brasileiro consiga aproveitar a maior parte dessas sugestões com impacto de 3% do PIB, ou seja, R$ 351 bilhões, montante necessário para estabilizar o crescimento atual da dívida pública bruta, que tem gerado preocupações e colocado em xeque o arcabouço fiscal.
Urgência de uma nova reforma da Previdência
Dentre as sugestões do novo relatório do Banco Mundial, uma das consideradas mais urgentes por Cornelius Fleischhacker, economista sênior do Banco Mundial e um dos coordenadores do estudo, é a desvinculação das aposentadorias ao salário mínimo. A medida tem impacto robusto para equilibrar as contas públicas que apresentam gastos crescendo de forma expressiva desde o início do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A instituição ainda propõe outras medidas de aperfeiçoamento da reforma da Previdência, como equalizar as idades de aposentadoria e as alíquotas de contribuição previdenciária; reformar as aposentadorias dos militares, elevando sua alíquota de contribuição e alinhando os benefícios aos de outros regimes e direcionar o abono salarial para famílias de baixa renda.
De acordo com o especialista, desvincular os benefícios previdenciários ao salário mínimo, que voltou a ter correção acima da inflação, com o governo Lula, pode gerar uma economia para os cofres públicos de R$ 15 bilhões por ano a curto prazo. “Mas, a cada ano, esse impacto dessa política se multiplica e o pode chegar a 1% do PIB”, afirmou. “A revisão da reforma previdenciária é mais urgente, porque o Brasil é um país que está envelhecendo rapidamente e, a cada ano que houver atraso, o custo dessas mudanças será maior”, afirmou.
O economista do Bird reconheceu que há ajustes necessários na reforma da Previdência de 2019 e, quanto mais o governo demorar para isso, maior será o tamanho da fatura futura. “Hoje, o número de aposentados é superior ao de pessoas com mais de 65 anos. E a expectativa de vida do brasileiro aumentou. A reforma atual ainda permite que uma mulher de 55 anos possa se aposentar no campo mesmo sem ter contribuído e, ao contrário do passado, ela vive mais do que a mulher que trabalha na cidade”, ressaltou Fleischhacker.
“A Previdência rural faz parte do regime geral mas não é contributiva e o benefício é atrelado ao salário mínimo. Assim, a conta não fecha”, explicou. Ele ainda sugeriu que, para reduzir a desigualdade entre os que contribuem e recebem um salário mínimo e os que recebem o mesmo valor pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC), o governo poderia dar um pequeno aumento no contracheque para cada ano de contribuição. “Isso ajudaria a dar um estímulo para quem contribui”, frisou o economista.
Ataque aos incentivos fiscais
O relatório também propõe avanços na mobilidade urbana com veículos a base de energias renováveis e a redução de incentivos fiscais que não contribuem para a preservação do meio ambiente. É o caso de subsídios para indústria e agricultores que usam energia a base de combustíveis fósseis, como diesel, carvão; ou fazem uso de agrotóxicos. “Não faz sentido o governo continuar dando subsídios para quem utiliza combustíveis fósseis ou agrotóxicos”, criticou.
Outra proposta destacada por Cornelius é a reforma do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), que ele considera essencial para melhorar a forma de tributar as terras, ”de forma mais eficiente, permitindo estimular a produtividade”. Ele citou um modelo econômico elaborado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), modelando possíveis aumentos modestos que poderiam triplicar a arrecadação atual, em torno de R$ 3 bilhões por ano.
O economista do Banco Mundial lembrou ainda que, na Austrália, a arrecadação desse imposto representa 0,6% do PIB e, aqui no Brasil, 0,03% do PIB e não seria nada dramático elevar esse percentual para 0,1%, pelo menos, ou chegar até a 0,6% do PIB. “Não vejo porque o agro brasileiro menos diferente do agro australiano”, afirmou. Segundo ele, esses recursos poderiam ser parcialmente usados para apoiar a conservação florestal e a restauração de áreas degradadas.
Lista de tarefas
Veja um resumo das principais recomendações de políticas públicas feitas pelo Banco Mundial por temas e ações políticas
>>Controle do crescimento das despesas
• Eliminar as regras de indexação e a rigidez das despesas a fim de criar mais espaço no Orçamento para as prioridades de políticas públicas;
• Alinhar os salários do setor público a benchmarks do setor privado;
• Desvincular as aposentadorias de assistência social e o piso previdenciário do salário-mínimo e adotar um cálculo proporcional para as aposentadorias contributivas com base nos anos de contribuição;
• Equalizar as idades de aposentadoria e as alíquotas de contribuição previdenciária;
• Reformar as aposentadorias dos militares, elevando sua alíquota de contribuição e alinhando os benefícios aos de outros regimes;
• Direcionar o abono salarial para famílias de baixa renda;
• Sequenciar a poupança do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) a ser utilizada primeiro, antes do acesso ao seguro-desemprego.
>> Aumento das receitas com a melhoria da eficiência e da equidade do sistema tributário
• Concluir a reforma dos impostos indiretos criando um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) de base ampla e um imposto seletivo;
• Ampliar a base tributária do Imposto de Renda de Pessoa Física, eliminando isenções e deduções (inclusive sobre lucros e dividendos);
• Aumentar as alíquotas efetivas dos impostos sobre grandes fortunas e rendas elevadas.
>>Implementação de políticas climáticas baseadas no mercado
• Implementar o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) robusto com limites de emissões e cobertura setorial claros;
• Integrar o SBCE aos mercados internacionais de carbono; e
• Usar o SBCE para incentivar a geração de créditos de carbono na agropecuária e, ao mesmo tempo, introduzir medidas complementares para tratar das emissões agrícolas.
>>Aceleração da transição para energias renováveis
• Aumentar o investimento público e apoiar o investimento privado na geração e transmissão de eletricidade renovável;
• Fornecer subsídios direcionados para energias renováveis e transporte de baixo carbono (por exemplo, a biocombustíveis, eletrificado, ou a hidrogênio);
• Apoiar a produção sustentável de biocombustíveis;
• Direcionar crédito regulamentado com juros baixos para energia renovável e infraestrutura de baixo carbono;
• Reduzir os riscos para investimentos privados no setor elétrico.
>> Promoção da agricultura sustentável
• Condicionar o crédito rural ao cumprimento de normas ambientais para promover a agricultura sustentável;
• Eliminar os subsídios que incentivam o desmatamento e redirecioná-los a práticas agrícolas de baixo carbono;
• Introduzir a precificação do carbono na agricultura por meio de créditos e impostos sobre insumos compatíveis com o SBCE (por exemplo, fertilizantes, ou combustíveis);
• Redirecionar subsídios de crédito para apoiar práticas agrícolas sustentáveis e de baixa emissão; e
• Reduzir os gastos tributários com insumos agrícolas e produção que estiverem pouco alinhados aos objetivos ambientais.
>> Redução das emissões por meio da tributação adequada dos combustíveis fósseis
• Aumentar os impostos unitários sobre os combustíveis fósseis para refletir todos seus custos sociais e ambientais, compensando o impacto sobre as famílias de baixa renda por meio de transferências direcionadas ou redução de outros impostos sobre o consumo;
• Eliminar gradualmente os atuais subsídios aos combustíveis fósseis;
• Apoiar investimentos em veículos elétricos, transporte público, transporte ferroviário e aquaviário e tecnologias limpas.
>> Melhora do uso da terra por meio da tributação de terras rurais
• Basear as avaliações do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) em valores de mercado para reduzir a subvalorização e a especulação fundiária;
• Aumentar o imposto mínimo e a alíquota efetiva do ITR;
• Aplicar impostos mais altos sobre pastagens subutilizadas e alinhar a tributação das terras rurais aos regulamentos ambientais.