Por Luiz Recena Grassi*
Na madrugada anterior à reunião, os dois grupos trocaram enxames de drones um contra o outro. Horas depois, sob críticas múltiplas e mútuas de violações de toda ordem sentaram-se à mesa neutra e organizaram nova troca de prisioneiros, vivos ou mortos, feridos e crianças e adolescentes levados para um ou outro lado ao sabor de resultados pontuais do conflito armado. Tudo isso em 40 minutos, no mais curto conclave entre delegações de Rússia e Ucrânia.
Do lado da Ucrânia, o presidente Volodymyr Zelensky, mídia e aliados ocidentais apostaram estridentes em resultados favoráveis a Kiev. Mas estavam céticos quanto às reações de Vladimir Putin. Nada aconteceu ou foi vazado. O que realimentou a cantilena de ucranianos por mais dinheiro e mais armas para reforçar suas condições de defesa.
Alguma coisa acontece. Não é, ainda, o grande pacote prometido pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a ser pago pelos europeus e administrado pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
A União Europeia não chegou a um acordo final sobre o novo orçamento da Otan, aquele que eleva para 5% a contribuição de cada país membro no custeio da entidade e na compra de armas para Kiev. Ficou tudo para depois do verão.
Trump anunciou mais durante a semana: pouco mais de US$ 300 bilhões, da verba própria para pagar mísseis Tomahawk que custam US$ 2 milhões cada. São armas antigas, que seguem eficientes. O dinheiro precisa obter, primeiro, o apoio do Congresso norte-americano. Não será difícil. Nem imediato.
A Ucrânia está também a negociar um novo empréstimo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Coisa de US$ 150 milhões é o quanto pede. Deve sair. Não imediatamente, pois o FMI quer ver a cor de algum dinheiro da Ucrânia bastante endividada nesta altura do jogo.
Por fim, Zelensky disse que está a pedir dinheiro novo para pagar um aumento de soldo a seus soldados, no momento atrasados e congelados. Vida pouco fácil para o governo de Kiev, agora agravada por um erro de prática política. No meio da semana, combinado com o Parlamento, o líder conseguiu aprovar lei que reduziria a independência dos dois principais órgãos de combate à corrupção.
Zelensky promulgou a lei e prendeu diretores que se rebelaram. O povo foi para a rua pela primeira vez desde o começo da guerra. Três dias de revolta crescente bastaram para que o líder voltasse atrás e mandasse ao mesmo Parlamento uma lei que restitui poderes aos órgãos afetados. Para refrescar a memória: a corrupção é um item cuja resolução é fundamental para o ingresso da Ucrânia na UE.
Ao mesmo tempo, do outro lado das trincheiras, Moscou diz que Putin apenas terá encontro com Zelensky se for para assinar a paz definitiva. Enquanto espera, o Kremlin continua a executar seu plano de bombardeios e conquistas de vilas e pequenas cidades ao longo de suas linhas de frente no conflito. Foram mais três durante a semana e uma quarta está a caminho. Os críticos organizaram-se para denunciar que Putin está a usar crianças em combate. É fake news.
O que o governo russo fez foi divulgar um filme mostrando adolescentes em visita a uma escola de drones. Adolescentes com jogos eletrônicos são sopa no mel. E eles não apenas dominaram tudo, se divertiram e ainda deram dicas para operadores soldados melhorarem seus índices de desempenho. Eis um mistério do conflito.
Em Moscou, também tem verão e o governo preparou-se para o fato. Programou, na capital e cidades maiores, shows de música, circo, festivais, concursos de dança e um elenco de outras atrações. Além do verão, há o fenômeno das Noites Brancas. Elas costumam aumentar o tempo disponível para celebrações.
O CORREIO SABE PORQUE VIU.
Estava lá. Houve época em que a União Soviética parecia um lugar seguro e atraia muita gente. Primos pobres da Coreia, Vietnã, China, Iugoslávia, Países Bálticos, até da velha Europa, como Espanha, Itália e outros. Era um lugar melhor para sobreviver.
O tempo passou e com ele veio a mudança de um quadro de aparência feliz. A URSS começou a ter problemas econômicos, o emprego diminuiu e a burocracia bolchevique encarregou-se de dar o golpe de misericórdia nos desejos de camaradas internacionalistas.
Fiquei amigo de uma veterana camarada de um país distante, na capital soviética desde tempos imemoriais, tesoureira de repartição pública. Um dia fez-me o pedido: uma cafeteira de um café apenas. Aquelas de desenho italiano, feitas com material especial.
Antecipando-se aos tempos, queria economizar e fazer render sua ração de café. Consegui, durante viagem aos trópicos, a pequena utilidade doméstica, recebida como um troféu de guerra. Nunca mais esbanjou ou perdeu seu precioso pó de café. Se os tempos mudaram, ela também. Hoje, o fluxo migratório inverteu a mão, mas os tempos bicudos começaram antes.
*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou