Por Luiz Recena Grassi*
Vladimir Putin cochilou e o cachimbo caiu-lhe da boca: a Rússia teve bases aéreas atacadas por drones ucranianos, que fizeram grandes estragos. Os russos, a inteligência e a defesa, passaram muita vergonha. Humilhação. Volodymyr Zelensky surfou na onda: foi um tubo e tanto de onde conseguiu sair com manobras de sucesso. Correu para festejar algo em meio a tantas derrotas nesses três anos de conflito.
Donald Trump recebeu uma não-grata surpresa: não foi informado do ataque. Um ano e meio de preparo, diz a propaganda de Kiev e seus aliados ingleses e americanos. Era uma carta na manga desde os tempos de Joe Biden. Não há mais o que fazer só ficar com raiva e pensar em vingança.
Zelensky foi a Bruxelas receber homenagens, afinal, botou a Ucrânia na reta para “salvar” os aliados europeus. É o que diz. Putin e Trump tiveram longa conversa telefônica. Putin disse que será obrigado a retaliar. Trump registrou, avaliou o tema e repercutiu em suas redes sociais, numa espécie de autorização consentida. Tudo isso por causa de um ataque espetaculoso que só seus operadores souberam? Não só. Em várias análises europeias pode-se ler referências às memórias da Guerra Fria.
A maior delas refere-se aos acordos Start e New Start, que detalharam a dètente na produção de novas armas e congelamento e destruição de parte das existentes. No primeiro acordo, consta o compromisso entre EUA e União Soviética, de manterem a céu aberto certo número de aviões bombardeiros supersônicos, para serem monitorados pelas partes. Quer dizer, os aviões russos destruídos não estavam em hangares, por força do acordo. O que a Ucrânia tem a ver com isso? Nada. O acordo foi assinado por dois outros países.
A Ucrânia fazia parte de um deles? Azeite! Agora não faz mais. Enganaram-se dois bobos na casca do mesmo ovo. Kiev não conta com serviços de satélites inteligentes. Recebeu tudo de mão beijada de seus dois aliados que falam inglês. Vai ter retaliação? Claro que vai. Para alguns já teria começado e os ataques aos arredores de Kiev seriam provas. Para outros os ataques da Grande Retaliação ainda virão. Estariam à espera de um verão mais forte, quando o degelo desfaz em lodo a neve endurecida.
Putin vai atacar e Trump fechar os olhos. Zelensky não terá muito para onde correr, pois até entre os aliados europeus há líderes que não gostaram tanto assim dos ataques e dos jogos de cena. Eles estariam preocupados em sofrer com ações bélicas. Isso é pouco provável. Não tem ligação, mas um fato recente, de ordem financeira, surpreendeu a liderança ucraniana. Kiev pediu a Bruxelas para que suas vítimas de guerra começassem a ser indenizadas, com os juros do capital russo confiscado pelos bancos da Suíça e da Bélgica. Juros sobre US$ 200 bilhões. Resposta: Não!
Essa questão ainda não está clara e, se ela começar a acontecer, os primeiros da lista são investidores europeus na Rússia, que tiveram seus ativos confiscados pelo Kremlin também no começo da guerra. Por tudo isso, o único evento a comemorar é a continuidade da troca de soldados, vivos ou mortos, entre os dois países em conflito. É outra razão pela qual Putin nada pode fazer fora do planejado, isto é, ampliar o espectro de um conflito que lhe dá tanto trabalho. Não rasgará bilhões de dólares congelados fora da Rússia.
O CORREIO SABE PORQUE VIU.
Estava lá. Da série “O correspondente também perde”. Um verão daqueles, tórridos, em que Moscou parece derreter, uma confraternização luso-russo-brasileira gestou a “quase-tragédia” do dia. Um cozidão português, com pirão de farinha brasileira embalou a alegria. Muito suco, refrigerantes, água. Hectolitros de cerveja gelada e generosas caipirinhas.
Na hora de vir embora, ainda com a luz do dia, condições levemente adversas avisavam: redobrar os cuidados, ainda mais com duas crianças no carro e o aviso de que a polícia andava solta na cidade. Tempos de propina escancarada. Não deu outra: ao desembocar na avenida próxima à casa, o carro dos fardados veio atrás. Todo errado, não dava para argumentar. Como resolver? Um deles me fez sair do carro e me levou um pouquinho para frente.
Disse ele que a situação estava difícil, etecetera e tal. Mostrei a carteira: 50 dólares. A cara dele não ficou alegre e ficamos a olhar um para o outro. Um amigo-irmão que vinha atrás, parou para ajudar. Se a minha placa de carro era poderosa, a dele era duas vezes mais. E o carona falava um russo bem melhor.
O segundo guarda viu 50 na mão do meu amigo e, rápido, garantiu o dele. Falou com o meu guarda e este pegou os 50 dele e acabou o caso. O segundo guarda achou melhor não aprontar com aquelas placas da pesada, especiais. Rápido para casa! A dar banho nas crianças. Susto e medo dissiparam qualquer vontade, não havia mais disposição para festas nem para interagir com a sorte.
*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou