ARTIGO/ Trump: Desafiando onde nem bate o coração

As ações Musk-Trump vão esvaziar um robusto sistema de propaganda na mídia ucraniana. Velhas receitas do passado foram renovadas, só que o mundo mudou

Crédito:Mandel NGAN / AFP

Por Luiz Recena Grassi*

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, vai tentar o que puder para ser o dono do mundo. Se vai conseguir, só o tempo dirá. O Panamá e o México fizeram acordos. O “Big Steak” voltou a voar sobre as Américas. Desafinou na “Riviera” de Gaza e na Groenlândia.  A chefe Mette Frederiksen chamou para a briga contra os ianques.

Nesse ambiente, Trump age nas sombras, jogando para o exterior e, dentro, para seus aliados. Entre os mais fiéis, Elon Musk, cortando despesas, principalmente políticas, como verbas de auxílio a grupos pelo mundo: são US$34 bilhões. Em 2023, foram US$16,5 bilhões. Além do USAid, tem cortes na CIA e no FBI. Musk foi capa da revista Time sentado na cadeira presidencial. É montagem gráfica, somada a fogo amigo e muita fofoca.   

No conflito Rússia-Ucrânia, Trump mostra-se lento. Emitiu sinais. Desafinados, apenas. Não mandou mais armas. Disse que os europeus resolvam junto com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A resposta anglo-francesa veio com seis aviões Mirage e outros tantos F-16. Tudo já usado e sem garantias de que serão bem operados pelos ucranianos e colaboradores. Esses dois países querem mandar tropas para o conflito. A Alemanha já disse que não e nem quer falar nisso. Os outros países só assistem.  Porque não têm armas ou dinheiro para dar ou emprestar. 

A situação da Ucrânia está complicada e ficará pior. Opositores notam a fase frágil do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, nesse momento. Querem eleições. Americanos também. Os generais das frentes reclamam da falta de tudo; homens, armas, provisões. As principais cidades ucranianas estariam cercadas e Toretsk já caiu. A preocupação maior é com a defesa de Kiev. 

Zelensky ainda é o líder mais forte nas pesquisas, mas elas começaram a derreter, abaixo dos 50%. Trump fez um gesto que agradou o líder russo Vladimir Putin: extinguiu o grupo de controle sobre o dinheiro russo preso no sistema bancário ocidental. Criação do ex-presidente dos EUA Joe Biden e do ex-secretário de Estado Antony Blinken, o projeto era ver chances de passar a mão, tungar o dinheiro russo. Dificuldades grandes, afinal, o dinheiro tem dono e os bancos internacionais querem jogar com o mercado. Há compromissos a cumprir. A tendência a liberar essa verba aumenta. 

A Bélgica deu mão de gato e quer pegar US$ 1,1 bilhão e repassar à Ucrânia. Diz que é juro sobre juro e que isso não seria russo. Difícil de dar certo, mas se der, será uma negociata brava. Além do desmanche do USAid, terá cortes nas verbas internacionais da CIA. A agência sempre foi usada para encobrir e atuar na propaganda, desde a guerra fria. Apenas para esse ano a propaganda na Ucrânia tinha US$ 9 bilhões orçados. As ações Musk-Trump vão esvaziar um robusto sistema de propaganda na mídia ucraniana. Velhas receitas do passado foram renovadas, só que o mundo mudou, caiu a eficiência dos meios e dos profissionais que atuavam no dia a dia da notícia. Agora haverá fechamentos de todos os tipos de meios e muitas demissões de “fiéis amigos do mundo livre”.

O CORREIO SABE PORQUE VIU. 

Estava lá. Brasileiros e russos sempre se deram bem. Às vezes mais, outras nem tanto. O humor dos governantes mandava no jogo. Pensava nisso para registrar os dias que uma grande cantora brasileira esteve em Moscou e em Leningrado. Casas cheias, marcou época. E deu muitas dicas a músicos interessados, que faziam extras enquanto estudavam os idiomas do mundo. Teve um que acompanhou a artista e aprendeu muitas dicas musicais, de agudos a graves tons. Além de muitas profissões, tocava e compunha. Misturou samba em composições e teve sucesso. A música sempre teve um lugar especial no trabalho dele. Passados mais de três décadas, ainda lembramos seus casos e performances. O nome dele era Evgueni; o dela, Alcione. Sim, “a Marrom” no codinome artístico carinhoso. Os casos sobrevivem mesmo com a memória, às vezes, negando-se a ser usada.

Quis continuar nessa linha mas fatos trouxeram a nota triste e pesarosa da passagem da intelectual, romancista e poeta Marina Colasanti, entre as melhores que o Brasil teve. Casada com o poeta Affonso Romano de Sant’Anna, os dois estiveram juntos em Moscou no auge da Perestroika. Queriam comprar coisinhas, suvenires. Levei-os a uma boa loja, na rua Arbat, famosa pela história boêmia desde muito tempo. O que faltava em idioma para o correspondente, sobrava em simpatia para a vendedora. Tudo deu certo. Depois, tomando um café e rindo sobre a experiência, os dois disseram: “você pegou o telefone da vendedora, depois nos conte”. Flecha lançada, correspondente ferido. “Não peguei nada”. Tarde demais. O vento já espalhara para os cantos a resenha do dia. Sempre neguei, eles contavam de novo. De nada valeram os protestos. No livro que escreveram depois, lá estava a história, pimpona, definitiva. E as risadas sobre o ocorrido continuaram. Nego até hoje, só não protestei mais. Estacionei nos risos e na boa carinhosa lembrança.

*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou