ARTIGO: Trompetes podem tocar em conflitos?

Os europeus não querem morrer pela Ucrânia. Não querem mandar soldados para o front. O conflito armado entre os dois países vai completar três anos em fevereiro próximo.

Por Luiz Recena Grassi*

A União Europeia (UE) encerrou o ano jurando fidelidade à Ucrânia. Mais uma vez declarou garantias que estaria no apoio a Kiev “até o último soldado”. Ao mesmo tempo, na reunião com Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e representantes norte-americanos, tergiversou quando o tema passou a ser o envio de mais armas e verbas para alimentar a guerra de Volodymyr Zelensky contra os russos de Vladimir Putin. Os europeus não querem morrer pela Ucrânia. Não querem mandar soldados para o front. O conflito armado entre os dois países vai completar três anos em fevereiro próximo. Até aqui a Rússia tem levado vantagem e já conquistou vinte por cento do território da Ucrânia, que luta para manter a cabeça de ponte que conquistou nas terras russas de Kursk, há cerca de cinco meses. 

Defende o que ganhou com unhas e dentes, perdendo efetivos e recuando. Fontes ocidentais publicaram que não há mais reservas para as tropas bem treinadas que atacaram e venceram nos primeiros dias. A imprensa russa fala em 47 mil vítimas nas forças de Kiev só nessa região, além da perda de equipamentos e munições. É pouco território, mas emblemático e seria argumento forte numa eventual negociação de paz. As conversas poderiam começar no final deste mês, após a posse de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos. Fora isso, a rotina da guerra se mantém: a Ucrânia tenta golpes de mão em áreas russas, usando mísseis yanques e ingleses, aproveitando o passe livre dado por Biden no apagar do governo dele. Abateu dois helicópteros no Mar Negro, explodiu um paiol de munições, fez bastante barulho na mídia. 

Do lado russo, a rotina dos últimos meses: avanços e tomadas de vilas e pequenas cidades ao redor de alvos maiores, selecionados para mais tarde. O The New York Times diz que no Donbass o cerco aperta e a pequena cidade de Kurakhovo desmorona e abre caminho para a conquista de Dnepropetrovsk. A Rússia manteve os “raids” de drones e mísseis contra usinas e fontes de energia, com efeitos colaterais nos arredores de Kiev. Mais da metade do país estaria sem gás e eletricidade. Devagar os russos sufocam. Mas precisam defender-se nas batalhas da mídia ao redor do mundo ocidental. Estão em desvantagem. Sofrem menos com a questão do gás, com o fechamento do gasoduto que passava pela Ucrânia e abastecia em parte países como Hungria, Eslováquia, Áustria e Moldávia, a mais prejudicada. A Ucrânia perde U$ 800 milhões por ano; a Gazprom russa perde U$ 5 bilhões. Desde o ano passado faz acordos para recompor-se no mercado e diminuir as perdas. Russos também esperam o dia 20 de janeiro, posse de novo e poderoso player para essa belicosa mesa. Enquanto isso, aguardam: se o barulho for muito, os mísseis tirarão as surdinas e botarão muitas coisas no lugar.  

O CORREIO SABE PORQUE VIU.

Estava lá. Não foi só alegria aquele fim de ano de 1988 em Moscou. Pequenas tristezas pespontaram a noite fria, nevada lá fora e bem quente nos dois salões do hotel Rossia, destacado monumento ao mau gosto da arquitetura soviética. Estudantes brasileiros e portugueses, bem jovens, e uma pequena fauna e variada fauna de desgarrados filhos da saudade, netos da solidão. Representavam várias profissões e aumentaram o colorido da festa. Comida e bebida farta, música alta e animada, fogos belíssimos, muitos beijos e abraços na hora da virada. Novoi Godon! Feliz Ano Novo, em russo. Bons anfitriões, estavam ali bem representados. Lembranças pesam e podem sufocar. Lágrimas aliviam, ajudam a passar a noite de festa.

No dia seguinte ressaca dupla, das comidas, bebidas, danças. E das saudades dos filhos. Pouco tempo para curtir essa condição. Telefonemas e reportagens para o Brasil. A cara triste intrigou os colegas e amigos russos, acostumados com o perfil desanuviado do repórter brasileiro. Histórias pela metade, mais que suficiente para bons entendedores. Para a minha casa! A ordem era mais do que clara e não admitia reações. E assim fui cuidado e tive pensadas minhas feridas de alma. Lágrimas desta vez de simpatia e gratidão. E de conforto ao saber que já existiam diferentes sentimentos de proteção. Eu estava seguro. Os russos abriam seus generosos corações para apoiar um amigo que veio de longe. Sou-lhes grato até hoje. Naquele momento, porém, fiz um desejo e cumpri: festas de fim de ano com os meus meninos. Sempre!

*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou