Por Luiz Recena Grassi*
Vladimir Putin sinaliza que pode aceitar trégua proposta pelos Estados Unidos. Antes, quer conversar muito com Donald Trump e seus assessores. Putin quer uma paz duradoura e com salvaguardas. O Kremlin avisa para a mídia ocidental algo muito brasileiro: uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. Simples e complexo a um só tempo. Só um cessar-fogo, para os russos cheira mal, é armadilha para a Ucrânia ganhar tempo, obter novas armas, recuperar soldados. É uma coisa. A ideia dos russos é uma paz duradoura, o fim definitivo das hostilidades. É outra coisa.
O enviado de Trump a Moscou, Steve Witkoff, esteve no Kremlin e ouviu o “sim” de Putin. Recebeu as reivindicações de Moscou e as levou aos Estados Unidos. Quem decide está a fazer isso agora. E o que são as salvaguardas? As principais: nada de tropas na fronteira entre Rússia e Ucrânia, principalmente de outros países europeus, camuflados de Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Anexação dos territórios ocupados. Proibir a Ucrânia de ingressar na Otan e na União Europeia. Cessar envio de armas para Kiev. Levantamento das sanções comerciais contra a Rússia, bem como a devolução do dinheiro de Moscou preso nos bancos ocidentais, cerca de US$ 280 bilhões. E definir como e com quem será feito o controle da trégua.
Putin quer uma paz duradoura e não só um refrigério curto, pois teme que a Ucrânia use isso para recuperar seu sofrido exército e receber armas novas via países europeus, como a Inglaterra, que quer mandar cinco mil mísseis para Kiev, recebendo antes cinco bilhões de euros para garantir o pagamento das armas. Com história competente no quesito pirataria nos mares, agora no asfalto, os ingleses esgrimem a ideia de que podem tungar o dinheiro russo congelado. Dizem que juros sobre juros não seria dinheiro novo da Rússia. A coroa, portanto, acha que é só passar a mão. Dinamarca, nórdicos outros e a França querem fazer um novo pacote de cerca de US$ 30 bilhões para a Ucrânia financiar armas. Financiamento de onde, ninguém diz, nem quando e de onde começam a chegar armas.
Há mais detalhes nessa equação. Elon Musk diz que a Ucrânia é um problema, principalmente no tema corrupção. Diz que se prendessem os 14 oligarcas ucranianos mais ricos, com castelos em Mônaco, boa parte da dívida do país poderia ser paga. Os Estados Unidos estimam em US$ 800 bilhões o volume devido por Kiev a Washington.
Números ao vento é uma especialidade de Trump. A dívida pode ser menor, mas Kiev não tem como pagar. Nem mesmo a parte menor de US$ 30 bilhões para bancos ucranianos e outras entidades financeiras próximas poderão ser pagos no prazo marcado. A União Europeia, que já não tinha dinheiro para mandar, agora, está preocupada com a própria defesa. Dali não deve sair mais nada. O quadro é esse e Trump tem pressa.
As fofocas dos mediaCIA talvez não consigam ir além da própria estridência. Trump atirou para vários lados e quer resolver essa questão com a Rússia. Wall Street já não está totalmente com ele e os investidores correram para o ouro. A onça do ouro fechou a semana a US$ 3 mil cada, com que acentuada em todos os pregões.
Enquanto isso, na região de Kursk as tropas russas fecham o cerco aos ucranianos. O ataque a Sudzha, último bastião antes do alvo principal, foi digno de filme: soldados andaram mais de três quilômetros em túneis de 1,5m de diâmetro. Nada foi cavado, eram tubulações para escoar o gás da Rússia para outros países.
No começo da briga a Ucrânia fechou tudo. Os russos sabiam e surgiram atrás das linhas ucranianas, causando muito estrago, ainda não mensurado. A volta de Kursk ao domínio russo estaria muito próxima. Trump pediu a Putin que não permita um massacre no local. Putin é religioso e bem poderia ser clemente para atender a um pedido.
O CORREIO SABE PORQUE VIU.
Estava lá. A Rússia também existe longe da guerra. A Ucrânia tentou um ataque com mais de 300 drones aos arredores de Moscou. Chamei minhas fontes. Uma disse estar tudo bem, mas estava a arrumar malas para passear em Israel. Outra conferiu: está tudo bem, mas estamos ainda em Seychelles. A terceira usou do velho humor acre: “este corpo celeste é tão grande que não sentiu a picada de mosquitos”.
Moscou segue impávida. E a classe média vive a vida. Lembrei da retirada dos soviéticos do Afeganistão. Não obtiveram a vitória que queriam e voltaram para casa. Um jovem tenente estava no primeiro grupo que atravessou a ponte para seu país. Esperou seu pai, general Boris Gromov, comandante do exército soviético, o último a atravessar a ponte. O abraço ganhou as primeiras páginas mundiais. A velha Rússia já tocava a sua vida. O general foi para a política e o simbolismo daquele gesto deu-lhe votos e cargos de direção na região de Moscou por 12 anos.
*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou