Por Luiz Recena Grassi*
Mil prisioneiros de guerra de cada lado foram trocados entre Rússia e Ucrânia no primeiro dia de reunião em Istambul. Além disso, os dois beligerantes trocaram, por escrito, intenções e alguns detalhes sobre o que esperam, num futuro imediato, para desenhar um quadro de paz e cessar hostilidades no conflito armado. Pé atrás, ceticismo e péssimos augúrios dão os primeiros sinais do pós encontro.
Apenas o anfitrião, Hakan Fidan, ministro as Relações Exteriores da Turquia, foi dissonante: “um dia importante para a paz mundial”, disse ao término de reuniões bilaterais com russos, ucranianos e com Marco Rubio, secretário de Estado dos Estados Unidos, para muitos a principal carta do baralho de Istambul. Rubio reuniu-se também, e em separado, com os chefes das delegações da Rússia e da Ucrânia. São muitas as questões difíceis.
A primeira ficou explícita: Kiev quer cessar fogo de 30 dias e Moscou não quer. Kiev tem apoio europeu parcial, com os grandes França, Alemanha e Inglaterra a forçarem a posição da Ucrânia. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) apoia. A União Europeia também, com respaldo parcial de seus membros, alguns declarando abertamente posições contrárias. E Ursula von der Leyen, a chefe da Comissão Europeia, quer novas sanções econômicas. Agora por mar: caçar e impedir que “navios fantasmas” singrem os mares europeus carregados de petróleo russo, para abastecer, numa espécie de mercado negro consentido, países mais pobres da UE, que têm históricas relações com a Rússia.
Assim, os negociadores não voltaram para casa de mãos abanando nem pastas vazias. No entanto, o que trouxeram não serão fáceis tarefas a resolver. E o verão é curto. Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, e seus aliados querem cessar fogo total por 30 dias. Jogam para a plateia e blefam sem boas cartas.
O presidente russo Vladimir Putin sabe que será grande o risco de rearmamento e descanso e remanejamento de tropas do adversário. Aceita diminuir o fogo sem parar a guerra. Por aí haverá acordo. As apostas dobram na questão territorial: Putin quer anexar a Crimeia e o conquistado até agora. Zelensky recusa tudo, pois pode perder até o poder e o emprego. Mas aí também há caminhos de acordos possíveis a serem trilhados. Completam o primeiro grande quadro de paz a exploração dos minerais raros e a reconstrução da Ucrânia.
O presidente norte-americano Donald Trump mandou seu secretário de Estado para destacar o apoio dele e dar conselhos sobre o caminho das pedras, a ser usado a partir de agora. Para uma negociação de longo curso essa começou bem. Quem foi deu conta do recado. Não precisava da presença dos líderes, nem fotos ou bandas de música. Chama atenção o item reconstrução da Ucrânia. Uns falam em novo Plano Marshall, quando os Estados Unidos injetaram US$ 135 bilhões em números de hoje, na economia alemã e europeia como um todo. Os operadores calculam que a situação atual da Ucrânia precisa em torno do triplo disso, talvez uns US$ 500 bilhões.
Os EUA, sozinhos, não bancam isso tudo. Será necessário algum milagre econômico ou, como diziam os alemães pós-Segunda Guerra: um “Wirtschaftswunder”. E na sombra, porém atento e ativo, Donald Trump, que, na volta do Irã e Qatar para os EUA, disse aos repórteres ainda no avião: não haverá acordo nenhum nesse conflito antes da conversa dele com Vladimir Putin. Quem manda nessa guerra são eles. Os demais tentam. Mas são figurantes.
O CORREIO SABE PORQUE VIU.
Estava lá. É hábito russo passear nos bosques nevados durante o inverno. Caminham, correm, esquiam, jogam hóquei, patinam, brincam com as crianças. Aproveitam os poucos dias bons numa longa temporada de dias ruins. Sempre fui adepto de esportes, basquete, vôlei, futsal e outros, tendo inclusive disputado torneios. Mas os de neve não chamaram minha atenção.
Caminhar na neve ficou restrito a curtas distância, de casa ao metrô, deste ao trabalho e vice-versa, só. Exceções sempre existem e em algumas topei enfiar o pé na neve e caminhar o necessário. Certa noite, época de escassez, acabou a bebida na festa. Um quiosque próximo resolvia a necessidade. Fomos cinco, três mulheres e dois homens, o outro grupo ficou em casa a cozinhar mais alguma coisa.
Alguém resolveu cantar e de braços dados fomos. Canções revolucionárias de preferência. Uns porque ainda gostavam, outros por ironia, por não acreditarem mais. Na hora da Internacional, baixou a Babel dos idiomas. Das três que sabia, fui com minha preferida, a versão francesa, original, do autor, Pierre de Geyter: “ Debout les damnés de la terre!”… Até a neve esquenta!.
*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou