ARTIGO: Quem paga a orquestra manda na música

A foto oficial é um ícone até hoje. Nela estão Josef Stalin, Franklin D. Roosevelt e Winston Churchill. Mais ninguém. Só eles ganharam a guerra de verdade

crédito: Arquivo Nacional dos EUA
reunião no balneário de Ialta, no Mar Negro, em janeiro de 1945

Por Luiz Recena Grassi*

Festejar fim de guerra é direito de todos. Tirar fotos para comemorar vitórias é só para os que realmente ganharam na batalha. É direito. É prerrogativa. A reunião no balneário de Ialta, no Mar Negro, em janeiro de 1945, é eloquente nesse sentido, vale por um livro de história. A segunda Guerra Mundial estava praticamente ganha, faltando apenas a rendição completa e final do exército nazista de Adolf Hitler.

Estavam reunidos os três aliados que, de fato, ganharam o conflito: a anfitriã União Soviética, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Os três que, depois, consolidariam suas posições hegemônicas no mundo. A foto oficial é um ícone até hoje. Nela estão Josef Stalin, Franklin D. Roosevelt e Winston Churchill. Mais ninguém. Só eles ganharam a guerra de verdade. 

O resto é marketing de forças que vieram ao combate quando o conflito já estava resolvido. Exceção foram os grupos de resistência, que atuaram, e apanharam, em vários pontos da geografia bélica. Vários deles foram traídos ou deixados à própria sorte pelos que, depois, apareceram pimpões para entrar na festa. Mas a História é implacável e hoje, passados 80 anos do Dia da Vitória, fazer festinhas onde os nazistas desfilaram garbosos no começo da guerra ou varrer para debaixo do tapete repúblicas falsas e outros acordos para mascarar e agradar alemães, nada disso muda o resultado final da época anterior. 

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, recebeu 30 chefes de Estado e mais uma centena de convidados de todo o mundo para comemorar a vitória da União Soviética contra Hitler. Direito dele e obrigação com um povo que perdeu 24 milhões de pessoas, entre soldados e civis. Isso é fato. O resto é ilusão ou desejo. Entre os convidados estava o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. 

crédito: Ricardo Stuckert / Secom-PR
Reunião com o Presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin – Grande Palácio do Kremlin

A estrela, no entanto, foi o presidente chinês Xi Jinping, que levou propostas de aumento da cooperação com a Rússia e três divisões de soldados (terra, mar e ar) das Forças para desfilar na Praça Vermelha. Clara demonstração do nível a que chegou o acordo entre as duas potências. 

Além do desfile e das autoridades presentes, outro detalhe chamou atenção: as homenagens que Putin prestou aos veteranos, já velhinhos a maioria, e aos jovens, citando-os no discurso principal. O passado e o futuro numa Rússia que ainda terá muitas batalhas a enfrentar para obter um convívio pacífico com o ocidente, principalmente a Europa. 

A União Europeia não aceita uma Rússia forte e já está a tramar novas sanções contra Moscou, principalmente no plano econômico, onde a velha ideia de desviar para si parte do dinheiro russo confiscado pelos bancos europeus voltou com toda força. De resto o dia foi tranquilo, sem os drones ou os mísseis prometidos por Kiev dias antes dos festejos do Dia da Vitória.

O CORREIO SABE PORQUE VIU. 

Estava lá. Os primeiros cinco, seis meses são difíceis em cada país novo que a pessoa vá. A Rússia pode ser um pouco mais com o adicional do idioma, falado ou escrito. Então a coisa é estudar o quanto possível, tomar nota de tudo, do jeito que você ouve, e arrumar amigos que ajudem. 

Sendo sempre obediente, é claro, fazendo o que dizem, como fazem. Foi assim no primeiro feriadão. Correspondente e “internacionalista convidado” o governo dava certa proteção e algumas benesses. Três dias antes, fui avisado que meu nome estava na lista do armazém “xis”, para receber um kit festejos. 

Pedi ajuda. Disseram que era isso mesmo nos festejos de datas nacionais. Alguém foi comigo. Três pães, um normal, outro de centeio e um preto. Todos de bom tamanho. Dois tipos de embutidos, um apresuntado, uma lata de conserva, talvez um doce, chá e uma dádiva: dois potinhos de ovas, de caviar, salmão e preto. Disse a meu amigo que era muito para mim, que poderia devolver algum produto. 

Lição na hora: pegue tudo, você poderá usar para trocar alguma coisa que outro não queira. Assim foi, o pão branco virou mais dois potinhos de caviar. O final é adivinhação fácil: quatro ou cinco amigos se juntam e juntam também o kit de cada um, com as respectivas trocas feitas por uns e outros. 

Goela seca? Negativo, nunca! Umas cervejinhas possíveis, umas vodcas de mercado negro e algum refrigerante e água para ajudar na festa. Às vezes um amigo vinha com guitarra e tocava… blues! Música, dança e alegria pura, aquela de viver e lembrar. Saúde! Nasdarovia!

*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou