Por Luiz Recena Grassi*
Antes de acabar a primeira quinzena do governo, ele mostrou muitas unhas. Com garras grandes, Donald Trump desenhou seu primeiro autorretrato cheio de ameaças. Da Groenlândia ao Golfo do México; do Marrocos, da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) a União Europeia. A Dinamarca não quer conversa e deu um passa fora nele, que não vai desistir da região. A Rússia, a China e outros países já declararam estar contra Trump. O Golfo do México pode até mudar de nome, mas o país não pensa nem vai entregá-lo. Pretende, junto com o Canadá, resistir a uma pressão/guerra tarifária. O novo presidente dos Estados Unidos determinou taxas de 25%, no geral, contra produtos dos dois países.
A China botou barbas de molho. O Marrocos quer aproveitar para resolver contenciosos com a Espanha, nada fácil. Ou seja, por essa lista, o que se teria, por enquanto, é muita fumaça e pouco fogo. Sobrará, para Trump e aliados europeus, dor de cabeça que vem do primeiro mandato, quando enquadrou os países da UE e da Otan, tratados à míngua por quatro anos. Os burocratas belicistas comeram o pão que amassaram e não pagaram. Fizeram intrigas e pediram verbas. Ápice foi o conflito entre Rússia e Ucrânia. Joe Biden fez tocar a guitarra e produziu dinheiro, muito dinheiro para compensar sua indústria armamentista. Para defender europeus do espectro da Rússia, bloqueando-a, impondo a Vladimir Putin um possível castigo, via pressões no gás e petróleo, nas matérias primas, descobertas tecnológica e, tentativa de golpe fatal, no confisco do dinheiro russo depositado na Europa sob a proteção de bancos suíços e outros importantes da banca europeia.
O esbulho não deu certo, foi bem menor a quantidade de verbas para ajudar os gastos ucranianos e a indústria americana. Sobrou para casos menores, embora com altos índices de emoção. “Amigo morto” disse um combatente mercenário, nos braços de um repórter. Foram mais de 20 nos últimos dias e servem para reforçar a notícia de que aumentaram as baixas ocidentais de mercenários na Ucrânia nos últimos seis meses. Os “casos de guerra” são tristes. Envolvem sofrimento de quem participa de conflito. E heroísmo também. Uma história pungente é a de um soldado norte-coreano que pediu para morrer olhando para os lados de sua terra e a repetir, sem cessar, o nome do presidente Kim Jong-Un. A semana termina sem os teóricos saberem o que vai no front russo-coreano.
No plano geral, os últimos relatos, desfavoráveis aos ucranianos. A cidade de Pokrovsk praticamente já caiu, estando completamente sitiada, com combates rua a rua. Outra importantíssima cidade, Sumi, também estaria cercada. E a mais emblemática de todas, Kursk, estaria sem grande condições de defesa e com a retirada discreta já em movimento. Todas essas ações, ao mesmo tempo, mais o cerco hipotético de dez mil soldados coreanos ao exército ucraniano, fizeram crer que os russos diminuíram o ritmo deles. Não seria assim: os russos estariam a recompor e descansar tropas com o objetivo maior de realizar um grande ataque nos próximos dias. Na parte financeira, enfim, uma notícia para a Ucrânia: a Suécia anunciou novas verbas para a Defesa de Volodomyr Zelensky: US$ 1,2 bilhão. Para compras, recomposição, treinamento e ataques. O governo sueco disse ser o maior empréstimo de todos até aqui. Só não disse quando começa o envio das armas, sua chegada, quem comprará e venderá, quem será capacitado para participar das próximas rusgas e enfrentamentos entre beligerantes.
O CORREIO SABE PORQUE VIU.
Estava lá. A China festejou essa semana o fim do Ano do Dragão e começo do ano da Cobra. É um símbolo pesado, mais yang que yin. Mas a cobra de madeira equilibra, com mais leveza. Na Moscou de outros anos, havia muitos chineses, razão para que novo ano fosse bem festejado. Os chineses muitas vezes nessa época eram os pobres da capital russa. O governo soviético amparava-os. Escola, comida, habitação e emprego faziam parte do pacote que a extinta URSS oferecia.
No início da revolução de Mao Tsé Tung, houve também boas brigas que renderam enfrentamentos teóricos e perdas de apoio prático. Muita propaganda contra um e outro foi marca desse tempo. Um tempo que também passou.
Na Perestroika, tempos bons voltaram. Um ponto de encontro era o restaurante Pequim, com a melhor comida chinesa do país. As famosas filas estavam ali, para provar o sucesso do restaurante. Russos e chineses, categoria povão, entendiam-se. E sabiam interpretar os humores políticos de cada nação. Os acontecimentos da Praça Tiananmen foram exemplares: os russos demoraram a dar a notícia; os chineses calados estavam e mudos permaneceram. Comentário único foi de uma soviética, com fontes e estudos na China, que abriu uma porta no coração e outra na cabeça para comentar: não vai passar nada meu amigo; o governo vai trancar assuntos políticos e concentrar seus esforços na economia.
*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou