Por Luiz Recena Grassi*
“As partes falaram sobre um possível reinício de negociações diretas entre Moscou e Kiev”. Minha fonte moscovita foi a primeira a avisar o fim do encontro, no Kremlin, entre o presidente russo, Vladimir Putin, e Steve Wittkoff, enviado especial do governo dos Estados Unidos e escolha pessoal do presidente Donald Trump. Mais rápido do que as agências ocidentais que teriam de mandar as informações iniciais para suas bases, onde seriam editadas, a fonte garantiu que os representantes russos avaliaram ainda o encontro como “útil e produtivo”, que em linguagem diplomática significa muito e sem arestas ou ruídos.
Antes, a reunião foi vendida pelas agências inglesas como o momento do recado de Trump para Putin aceitar outras ideias, como a de que a Ucrânia mantenha exército e indústria bélica; além de abrir uma ponte sobre o rio Dniepre para uso ucraniano, e a revisão do status da região nuclear de Zaporizhzhya.
Em troca, a Ucrânia continuará longe da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), cederá os territórios perdidos em combate e dará um adeus definitivo à Criméia. Uma situação bem mais de fato do que de direito, que permitiria contornar as proibições constitucionais esgrimidas por Volodymyr Zelensky, presidente ucraniano, para rejeitar as propostas territoriais de Trump.
A maioria da mídia ocidental trabalhou a semana com um equivocado conceito de “impasse” no quadro geral do conflito. Exceção para analistas ibéricos. Um deles foi bem claro: não pode haver impasse pois uma das partes, está a ganhar a guerra, com sobras; não há problemas com o exército russo, bem armado, alimentado e com reservas de meio milhão de soldados treinados à espera de um só chamado para entrar nas frentes em operação.
A Ucrânia não tem mais nada comparável. E sofre ataques diários ferozes, sem conseguir peças ou pessoas para reposição. Apenas na frente de Kursk foram entregues pela Rússia 900 corpos de soldados ucranianos, semana passada.
A União Europeia não tem mais como apoiar. Inglaterra e França ainda insistem em iludir Zelensky com promessas. A primeira porque precisa diminuir o prejuízo de vendas anteriores; a segunda porque o presidente francês, Emmanuel Macron, acredita que assim pode cacifar-se para eleições próximas. Enquanto isso, outros europeus estão cada vez mais longe da Ucrânia. Todos têm problemas internos maiores para resolver. E começam a recomendar cautela e cessões a Kiev.
O fracasso do encontro em Londres, esvaziado pela desistência do secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, é a maior prova disso. A semana fecha com a frase do prefeito de Kiev: “devemos ceder territórios em troca de paz”, disse a fontes inglesas e espanholas Vitali Klitschko, ex-aliado agora na oposição ao presidente ucraniano. Zelensky não comentou ainda. Parece que cada vez sobra menos espaço para a Ucrânia, cuja defesa, agora investe em ações de terrorismo como a explosão que matou na sexta feira um general russo nos arredores de Moscou. Poucas horas antes do início do encontro entre Putin e o enviado americano Steve Wittkoff.
O CORREIO SABE PORQUE VIU.
Estava lá. A questão do patrimônio costuma ser delicada em qualquer país. Não é e não era diferente na Rússia. Herança do império, pouco se mexeu nos anos soviéticos. Até a chegada da crise profunda do regime. Abriram-se lojas para vender tudo o que era antigo e podia virar dinheiro. No princípio discretas e só em rublos; depois escancaradas e em dólares também. Os estrangeiros, ricos ou não, começaram a comprar relíquias e antiguidades refinadas.
Meus amigos russos a tudo assistiam com fingida indiferença. Não gostavam de ver vendidas suas gravuras antigas, livros raros, esculturas, pinturas, porcelanas, tudo isso eram pequenos golpes na autoestima. Só os tapetes asiáticos tinham saída sem reclamação. Eles não gostavam muito de tapetes. Nem das repúblicas que os produziam. Só uma exceção identifiquei: se você morasse lá tinha proteção. Era enquadrado fácil na categoria “poupou para comprar”. Não ganhava muito, nem poupei assim. Mas fiz amizades e virei protegido das administradoras de uma livraria-sebo, com gravuras. Na rua Kachalova, perto da Embaixada do Brasil.
Às vezes, passava algumas horas ali, sem comprar nada, mas a conversar muito. Conversar e aprender. Em dias calmos, com algum no bolso, elas compravam para mim, fazendo render meu dinheirinho. E por isso ainda tenho algumas gravuras interessantíssimas e até pratos de porcelana centenária, descontinuados e alguns descascados. Todos com a marca da autorização do império, usados por famílias da aristocracia. Os amigos russos riam das minhas “velharias”, mas estavam sempre a me dar dicas. Ou mesmo presentes de objetos de família.
*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou