ARTIGO: Nem todos ouvem acordes distantes

Todos acham difícil, muito difícil, que países da União Europeia sejam capazes, agora, de abraçar no terreno um posição prática de combate no confronto

O encontro entre os dois líderes em Washington terminou com Trump repreendendo Zelensky e o acusando de não ser grato o suficiente pela ajuda fornecida pelos Estados Unidos para conter a invasão russa iniciada em fevereiro de 2022 - (crédito: Getty Images via AFP)

Por Luiz Recena Grassi*

Quanto vale realmente um grupo de países europeus declarando apoiar um país fraco em litígio armado contra uma força maior? Ninguém se arrisca a dar uma resposta. Os poucos que têm opinião procuram lugares altos para observar a cena. É possível que algum sinal seja emitido durante o carnaval ou logo após as festas dedicadas a Momo. 

No lugar de evidências, brotarão muitas especulações. Da primeira reunião, marcada para o fim de semana, espera-se, pelo menos, o esboço dos que querem fazer os europeus mais prósperos ou fortes no futuro imediato. Pouco, segundo os mais experientes analistas europeus sobre o conflito. Ou nada, dizem graduados comentaristas portugueses.  Todos acham difícil, muito difícil, que países da União Europeia sejam capazes, agora, de abraçar no terreno um posição prática de combate no confronto. No início de tudo, há três anos, sob a acusação de invadir a Ucrânia, a Rússia foi boicotada pela maioria dos que se acham mais fortes. 

Bruxelas comandou uma série de ações contra os interesses russos, desde o envio de armas à Ucrânia até o congelamento total de fundos monetários russos depositados em bancos da Europa. Com o apoio da propaganda e das armas dos Estados Unidos, via Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), pensou-se em curta duração para a ousadia russa, frente ao heroísmo ucraniano. A guerra convencional deu um giro e a internet e os drones assumiram a supremacia dos ares. A Rússia resistiu, chegou aos três anos em posição majoritária no terreno das ações. 

Guerra custa caro e os novos aliados calcularam mal. Não houve passeio. O dinheiro dos norte-americanos não foi tanto assim e boa parte dele ficou lá mesmo, alimentando a indústria bélica do país. O que veio da Europa foi convencional e sem unidade ou padrão. A frente ucraniana ficou parecida com uma feira de armas de várias fontes. Aliada a isso uma necessidade maior de material logístico dominou as decisões do front de Kiev. E, pairando por cima de tudo, graves acusações de corrupção mancharam a conduta dos militares da Ucrânia. 

Do lado russo, depois de graves equívocos nas decisões de guerra, Moscou corrigiu suas posições e começou a virar o conflito a seu favor. As mudanças recentes na política norte-americana alteraram ainda mais o quadro geral. “A Rússia está preparada para conversar com os Estados Unidos sobre a paz”, disse Vladimir Putin no meio da semana. “Nossas equipes adiantaram a sintonia dos trabalhos”, disse Donald Trump. Ninguém falou sobre o papel da Ucrânia. Volodymyr Zelensky disse estar pronto para um acordo com Trump e ceder terras raras e ricas para a exploração dos Estados Unidos. A Europa rica não quis e tentou dar argumentos para o líder ucraniano enfrentar os Estados Unidos. Até agora não funcionou. 

O clima azedou no Salão Oval, Zelensky saiu de mão abanando e os líderes europeus dobraram o volume dos protestos. Pierrôs apaixonados choram e imaginam saídas. Ao longe ouvem-se acordes de outras músicas. Nem todos ouvem, mas ela começou a ser tocada nas linhas de frente e reuniões de gabinete. A paz ainda terá alguns cenários a enfrentar e cumprir.

O CORREIO SABE PORQUE VIU. 

Estava lá. Experiente jornalista e pensador das últimas seis décadas, o amigo discorria sobre as desilusões do povo da extinta União Soviética. A vontade de ter mais bens levou milhares a buscar novos rumos, em países vizinhos da velha URSS ou mesmo nos Estados Unidos. Pouco apoiados na tentativa de mudança, entraram em crise existencial: ou voltaram para casa ou aceitaram empregos de remuneração baixa e até mesmo fora dos padrões da dignidade humana. 

O correspondente ouviu muitos relatos de gente que voltou para casa, para não aceitar a prostituição, por exemplo. Com o tempo, a organização da vida produziu novas situações e a Europa conheceu mais quem tinha conseguido sobreviver: não eram mais comunistas e não queriam o capitalismo europeu. Formou-se uma nova espécie, reacionária e a fim de acertar contas com quem quer que fosse. 

O melhor exemplo vem da Alemanha. Os cinco estados da antiga Alemanha Oriental, absorvidos pelo lado Ocidental votaram, em maioria, pelos mais conservadores. Os partidos tradicionais correm riscos, apesar de ainda, juntos, preservarem certa maioria. Uma amiga antiga, com vasta experiência nas Américas, no Caribe e no Brasil, dizia-me: “sempre gostei das situações exóticas; depois de brasileiros e caribenhos, agora tenho um casamento com um alemão oriental”. Estão felizes após resolver questões particulares de sobrevivência em novas situações.

*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou