ARTIGO: Negociação sob proteção turca é boa

Marcada para junho, a conversa foi produzida por empenho russo, apoiada pelos Estados Unidos de Donald Trump e agasalhada pelo governo da Turquia, que escalou mais uma vez Istambul

crédito: Sergei Chuzavkov/AFP/DAPRESS

Por Luiz Recena Grassi*

Quase quatro anos de conflito para chegar a uma possibilidade de negociação concreta entre Rússia e Ucrânia. Marcada para junho, a conversa foi produzida por empenho russo, apoiada pelos Estados Unidos de Donald Trump e agasalhada pelo governo da Turquia, que escalou mais uma vez Istambul.

 “É um grande momento de decisão, espécie de agora ou nunca”, disse Agostinho Costa, general português, da reserva, em comentário para a rede CNN Portugal. Ele sabe o que fala. Tem argumentação sólida e conhecimento histórico sobre o conflito e sobre seus participantes. O general é equilibrado e, às vezes, navega contra a corrente da maioria da mídia ocidental europeia. 

Sem depender de verbas estimuladoras exógenas e sem qualquer obrigação de defender o “mundo livre”, , o general precisa trabalhar mais. É o que faz, aportando sempre ângulos novos para a análise do quadro bélico e seus vetores de maior influência. O único dos adversários a não garantir nada é o presidente ucraniano. Volodymyr Zelensky quer, primeiro, que a Rússia revele sua proposta. Acha que os outros são bobos. Nesse tipo de negociações, a história mostra que todo cuidado sigiloso deve ser privilegiado. 

Depois da reunião, falarão os porta-vozes de cada um. O ucraniano reclama também do status dos funcionários indicados pelo Kremlin para as conversações, o que, além de indelicado, demonstra baixo grau de informação. Poderia pensar no quadro real e ver que condições ainda tem para resistir. A região de Sumy, cercada, cai em poucos dias. Os nós russos apertam os laços a cada momento. 

Para Costa, a Ucrânia tenta aguentar o possível, mas se passar o tempo a situação fica delicada. A pressa agora é, ou deveria ser de Kiev. A escolha da Turquia, para a maioria dos analistas, é correta, uma vez que o governo de Erdogan tem sido incansável. E a habilidade de seu chanceler, Hakan Fidan, ganha elogios de todos. 

A Turquia foi império e tem séculos de conflito e negociações de paz. Fora isso, algumas informações para serem analisadas sem “as espumas do mar”, diziam velhos confrades. A Coreia do Norte enviou 14 mil soldados para a frente russa, mais 100 mísseis balísticos e milhões de munições, de todos os calibres. Fonte: Grupo Multilateral de Monitoramento de Sanções, criado por 11 países, com o aval da Organização das Nações Unidas (ONU). O grupo: Austrália, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Holanda, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Estados Unidos e Reino Unido, ou Inglaterra, que financia as pesquisas por meio de Fundação sem fins lucrativos. Pressionam a União Europeia (UE) por mais sanções e embargos contra a Rússia. 

Envergonhados porque seus membros não chegam a acordos unânimes, nem trocam informações entre si. Mais envergonhado está um jornalista anglo-russo a serviço da BBC. Publicou artigo constatando que, no que vai do conflito, os europeus financiaram a Rússia, comprando cerca de um bilhão de euros em gás e derivados produzidos por Moscou. 

Próximo disso vem a nova “ajuda-acordo” entre Alemanha e Ucrânia, anunciado pelo novo Friedrich Merz. Autoriza o uso de mísseis intercontinentais contra a Rússia, promete novas defesas antiaéreas e a produção de mísseis taurus. 

A Ucrânia tem mísseis intercontinentais americanos e recomendação de não usá-los sem consultar antes; na segunda o chanceler esqueceu de precisar as datas dos envios e do início da produção. Um gesto antigo. Mais para as espumas do mar do que para as dificuldades terrenas de Kiev.

O CORREIO SABE PORQUE VIU. 

Estava lá. O correspondente foi cobrado por narrar, em memórias, apenas situações felizes, tudo acaba bem, entre música, vodka e caviar. Mas é claro que também perdia. Uma dessas derrotas foi no Mercado Central de Moscou, à época dominado por grupos organizados da Geórgia e Azerbaijão. Barra pesada. 

Fim de regime, soltaram-se algumas amarras, produtos apareceram e o câmbio paralelo voou. 

Levei um colega viajante para comprar caviar e, com ajuda de um intérprete, chegamos a dois operadores do mercado. Grandões, panções, vastos bigodes e cabeleiras negras e crespas. Foi olhar e me identificaram como um deles. Não era grandão, nem pequeno. Vastos bigodes e cabelos crespos sim. Faltava-me a pança. 

Tudo esclarecido o intérprete disse a palavra mágica, “dólar”. Chegou-se a bom preço e várias latinhas das ovas foram compradas. Ao voltar para casa e abrir uma para experimentar a terra tremeu, o mundo caiu. As ovas estavam secas. E outra e ainda outra. Poucas ficaram. Difícil, sensação ruim de ser enganado. 

Voltei com o intérprete dias depois e encarei a dupla de vendedores. Primeiro negaram, depois disseram que era o mercado. Choraram lágrimas de crocodilo. Ao final, negociaram diante da ameaça de serem visitados pela autoridade. 

Recuperamos boa parte, reduzimos bem o preju, com latas de produto novo e bom. Dá para dizer que saí perdendo, depois quase empatei o jogo.

*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou