Por Luiz Recena Grassi*
O conflito entre Rússia e Ucrânia chega aos 33 meses com perspectivas de paz. Quando começou trouxe junto dezenas de análises de especialistas, maioria pró-Ucrânia-Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)-Estados Unidos. Três dominavam. A Rússia resolveria tudo rápido, com alto custo em dinheiro e armas, além de pesadas baixas humanas. A Rússia teria problemas iniciais e a Ucrânia, com apoio dos Estados Unidos e da Otan, teria força suficiente para derrotar a Rússia. Por último, a Rússia resistiria a tudo e a todos, inovaria a parte tecnológica do conflito, faria uma guerra de médio e longo prazos, sufocando a Ucrânia e restabelecendo fronteiras que interessavam. Eram três opções. Ao fim de mil dias, a última delas é a mais provável. Vai reduzir o poder da Otan, causar violentas dores de cabeça aos europeus e aos Estados Unidos e dependerá do humor de Donald Trump.
No começo, a maioria apoiou a segunda opção por influência pesada do trio Otan-União Europeia-EUA. O segundo ano chegou com muitas dúvidas. A Ucrânia perdeu terreno e credibilidade. E demonstrou muita fraqueza no seu sistema de defesa. A Rússia mostrou maior e melhor organização e eficiência bélica. As críticas ocidentais se robusteceram e Kiev ficou para trás até mesmo em combates de mídia. O terceiro ano chegou com novo quadro e o conflito deu indícios de que duraria bastante.
Até surgirem novos fenômenos, novas guerras, novas eleições, novos interesses de terceiros. Os apoios pró-Moscou aumentaram; pró-Ucrânia diminuíram. Depois dos primeiros sinais de Trump eleito, a Otan recomendou “otimismo cauteloso” em futuras negociações. A Rússia sinalizou rápido: “Temos modesta esperança de diálogo”, avisou o Kremlin. Aliados não excluem mais a cessão de territórios já conquistados pela Rússia.
Toda guerra precisa de números. Mesmo conflitos como esse, com luta paralela de marketing, fake news, propaganda e contrapropaganda entre as partes. Há cifras sólidas.
Pesquisadores das Nações Unidas: O Ocidente botou U$ 167 bilhões de ajuda à Ucrânia desde 2022, quando tudo começou. Montante é 27 vezes maior do que o previsto pela ONU para combater a fome em 43 países, ou 42 milhões de pessoas. Desse total, dizem os experts que U$ 67,8 bilhões são dos EUA para Kiev.
Foi acordado em agosto a reconstrução de parte da dívida da Ucrânia: U$ 20 bilhões, espichados em 13 parcelas até 2033. Economia até lá de U$ 11,4 bilhões, em curtíssimo prazo, e U$ 22,75 bilhões até 2033.
A Rússia devia U$ 733 bilhões em 2004. Fechou junho de 2023 em U$ 343 bilhões. De 2020 para cá, passou a reduzir o índice de endividamento/orçamento. De 31% para 14% neste ano.
Apenas da Índia, a Rússia recebeu U$ 37 bilhões, no ano passado, com novas receitas de venda de petróleo bruto russo, depois refinado e vendido pelos indianos em mercados fora do boicote comercial da UE e EUA.
O mais difícil é estimar as vítimas, um segredo de sete chaves dos dois inimigos. Terceiros trabalham dados desencontrados. Mais de meio milhão de soldados teriam morrido, somando os dois lados. Esse número ainda não foi desmentido.
O CORREIO SABE PORQUE VIU.
Estava lá. Meus amigos russos suspenderam de repente todas as conversas paralelas ao ouvir as primeiras frases da nova história. Ao entenderem do que se tratava faziam caras e gestos de incredulidade: o amigo brasileiro não sabia o que era uma guerra. O último conflito com a participação ativa do Brasil acontecera há mais de 150 anos, contra o Paraguai. A modesta e dolorosa presença na Segunda Guerra Mundial não entrou nas estatísticas. Meus amigos me olhavam como a um E.T., um ser de outro planeta. E, do alto de uma experiência imperial e belicosa secular, me viam com ar de “tolinho, não sabe nada”. E a festa continuou sem se falar mais disso. O tempo passou e a conversa nunca voltou. Sem que ninguém dissesse, captei a mensagem: eu não tinha cacife nem histórico para enfrentar um tema desses. Eles tinham. Mesmo sem atuar em frentes de batalha, todos contavam alguma coisa, dos treinos obrigatórios aos trabalhos de apoio, em Moscou, em Leningrado e em outras bases, apoio de escritório, de traduções, logística total. E todos tinham histórias ruins, mais longe ou mais perto dos corações, e todas portadoras de profunda tristeza. Certa vez, fui com eles homenagear um amigo, em cemitério próximo. Delicados, me protegeram do frio logo na entrada.
Era perto, eu os vi em volta de uma sepultura: falaram, choraram, rezaram e riram no final ao beber café forte e conhaque idem. Não falaram mais. Era assunto deles, só deles. Doloroso, triste, histórico.
*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou