ARTIGO: Europa desafia Trump para salvar Ucrânia

A Europa não quer bater de frente com os Estados Unidos, mas está a buscar a todo o tempo lacunas ou fissuras que possam ser aproveitadas em seu favor

(crédito: Ludovic Marin/AFP)

Por Luiz Recena Grassi*

Volodymyr Zelensky tentou roubar a cena na reunião de Paris. Em parte conseguiu. Mesmo saindo de mãos abanando, sem armas ou novas verbas, sentiu-se forte para repetir que são os russos que não querem a paz e que Donald Trump é errático e está mal assessorado. 

Batizou de “extraterrestres” os conselheiros que foram mandados pelos Estados Unidos para Kiev e Arábia Saudita, complementando que eles não sabem nada sobre a Ucrânia em geral nem sobre o conflito em particular. Fez outras bravatas, algumas grosseiras, mas não conseguiu o principal: novas declarações práticas de que 27 países europeus, União Europeia (UE), Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), juntos ou separados, poderão agir no campo de batalha. 

Os europeus souberam lidar com o líder ucraniano: tiraram uma declaração unânime de apoio a Kiev e outra, também unânime para avisar que ainda acham cedo para levantar as sanções contra a Rússia no plano econômico. Não foi só. 

Ingleses e franceses no comando reafirmam que está mais do que na hora de chegar a alguma forma de botar as mãos no dinheiro russo congelado em bancos internacionais. No outro lado do quadro, Trump e Vladimir Putin, sem deixar de lado suas maneiras especiais de conduta, reforçaram as reuniões entre conselheiros dos dois países, para buscar soluções a essa crise. O cessar fogo no Mar Negro, o restabelecimento de condições de produção, venda e escoamento de cereais por parte dos brigões, a não participação dos europeus em ações militares, a proibição de adesão da Ucrânia a Otan, relaxamento das sanções econômicas, a continuidade da troca de prisioneiro de guerra e outras. Tudo está a ser discutido e, dentro das possibilidades, posto em prática entre as partes. 

Fora disso, ainda há campo vasto para as equipes de agitação e propaganda criarem e espalhar suas boatarias. A mídia pró-Ucrânia não guarda mais nem um tipo de reserva para distribuir boatos. Os russos voltaram a ser os demônios vestidos de gente, fazendo mal a civis, velhos e criancinhas. Por ordem de Trump, vão secar as fontes de financiamento dessa propaganda. Seus assessores aumentaram as críticas sobre o caráter dos uranianos nas negociações e bateram pesado nas manobras da Europa para boicotar as ideias e propostas de Trump. 

A Europa não quer bater de frente com os Estados Unidos, mas está a buscar a todo o tempo lacunas ou fissuras que possam ser aproveitadas em seu favor. Os europeus não têm armas para dar ou vender. Não têm mais quantidade e muito menos qualidade bélica. É ainda muito grande as dependências dos Estados Unidos. No mínimo três anos serão gastos para ver resultados do que seria investido agora.

Por enquanto, jogam para os lados, no velho método das burocracias. Trump não está a gostar disso. Putin também não. E Kiev só ajuda, ao dizer que não aceitará ajudas que se transformem em empréstimos. Muito endividados, sem saídas para pagamentos a curto ou médio prazos, Zelensky bate o pé e diz que agora tem quer ser parceria, com tropas e armas dos europeus. Mesmo assim a paz avança. É um processo lento. Mas a roda da história começou a girar. Para frente, como é do feitio.

O CORREIO SABE PORQUE VIU. 

Estava lá. O povo russo tinha muito respeito pelo dinheiro deles e dos outros, moeda ou papel. Pelo deles, o rublo, era uma pequena devoção. Moeda com história, capaz de atravessar tempos e regimes diferentes de governo. O velho rublo e seus copeques até nós. Claro que enfrentou dificuldades, mas está aí, ainda hoje. Ao conversar sobre o tema certa feita, o correspondente viu-se frente a frente com uma situação quase embaraçosa. O tio mais velho de um amigo tinha, entre outras relíquias antigas, uma nota de cem dólares datada da década de 1940. Caíra-lhe às mãos por obras e graças da segunda guerra mundial, quando unidos aos americanos salvaram a Europa do fantasma nazista. 

Ele voltou para Moscou e guardou seu tesouro. Quase meio século depois, com a abertura da Perestroika, lembrou do que tinha. Negociar com dólar não era falta grave nem dava mais cadeia. Sabedor de uma viagem do correspondente a Portugal, o amigo perguntou se poderia ver se a nota ainda valia e podia trocá-la por outra mais moderna. A tarefa não me custaria. Recebi a nota, verde mais escuro em tamanho maior e em papel grosso. Levei-a ao Banco do Brasil em Lisboa e o gerente chamou-me à parte e disse: é rara, está boa e pode ser trocada. No banco só por outra, mas se quisesse e tivesse tempo seria bom ir ao mercado e ganhar mais algum. Com tempo escasso e farto medo, preferi a primeira solução. Voltei para Moscou com um bilhete novinho de cem dólares. Meu amigo alegrou um velho tio. Ganhei algo, sim: uma bela vodca, envelhecida junto com o tio e o bilhete dos tempos da guerra.     

*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou