ARTIGO: Conflito, acordo, paz: “Siga o dinheiro!

A paz é um acordo onde os envolvidos aceitam uma realidade nova, decidem viver sob condições antes inexistentes

Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, em discurso na Assembleia-Geral da ONU

Por LUIZ RECENA GRASSI*

A paz não é plano onde muitos opinam, debatem e não chegam a lugar nenhum. A paz é um acordo onde os envolvidos aceitam uma realidade nova, decidem viver sob condições antes inexistentes. Ou então, é fruto de vitória militar de um dos envolvidos, que determina como será o futuro dali em diante. A viagem do presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky, aos Estados Unidos é mais do mesmo, com visitas a fábricas de munições e o incansável correr do chapéu a pedir armas e dinheiro. A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) empresta algum cenário novo para os jogos de marketing do ucraniano. Ele disse ter um “plano para a vitória”. Sem mais detalhes para o momento. Os EUA, mais preocupados com o pleito de novembro, deverão cozinhar os pedidos até lá. Em fogo lento. Prometem mais dinheiro. Só prometem.

No terreno há pouca novidade. A Ucrânia ataca alvos russos na fronteira e a Rússia mantém o ritmo do “devagar e sempre”, conquistando o Dombass e desenhando um cerco a Kiev. A propaganda dos dois lados desautoriza, por falta de checagem, esgrimir números reais de baixas. Com a inteligência artificial e outros instrumentos de mídia, até fotos e filmes não garantem a própria veracidade. Há vítimas dos dois lados. Muitas. O outono começou e não é bonito ou romântico no teatro dos confrontos. Em seguida virá o inverno e, nele, a força russa aparecerá mais. O secretário de Estado Antony Bliken reclamou, xingou a meteorologia e a natureza. Para ele, o inverno é pró russo. Napoleão e Hitler que o digam. Além da precariedade das armas, do despreparo do exército e da corrupção endêmica nos comandos, a Ucrânia começa a enfrentar dificuldades de energia. Na moldura do quadro, a Ucrânia enfrenta outro nutrido problema: a dívida contraída para financiar sua atividade bélica. Guerra é caro.

No primeiro trimestre deste ano a dívida bateu nos 170 bilhões de dólares. De lá para cá, mesmo que em menor volume do que no primeiro semestre do ano passado, houve novos aportes de europeus e americanos, o que faz a dívida ser estimada acima dos 200 bilhões de dólares. Os credores são aliados europeus, os Estados Unidos e alguns bancos ucranianos, que participaram no financiamento do conflito logo no seu início. A maioria pensou que as coisas seriam mais rápidas. Agora está impaciente. Uns não querem mais emprestar, outros exigem mais garantias. Todos querem receber. Os EUA prometeram repasse de oito bilhões de dólares, dinheiro aprovado há mais tempo e que ainda não chegou. Agora serão 2,6 bilhões de dólares. Para armas e auxílios outros. Primeiro tem de acertar contar anteriores com os vendedores. Sobrará pouco como dinheiro novo. Os americanos prometem zerar a grana até 20 de janeiro que vem, quando acaba o mandato de Biden.     

O governo ucraniano ouve isso desde o final do ano passado. Ouviu outra vez durante a ida a Nova Iorque. O “Plano da Vitória” não disse muito e convenceu menos. Além de armas Zelensky quer atropelar, entrar na UE/OTAN, como membro pleno, o mais rápido possível. França e Alemanha sinalizam: não é por aí. Biden tem dúvidas. Não arrisca entrar nessa canoa em fim de mandato. Dívida pouco tem a ver com o inverno.

O CORREIO SABE PORQUE VIU.

Estava lá. Em Moscou, é fácil perceber a chegada do outono. Os dias encurtam. O frio mostra a cara, a chuva chega, as conversas fazem a previsão do tempo. Inverno e neve são temas obrigatórios. “Fique tranquilo, a partir de agora só piora”, disse o amigo russo para explicar o que aconteceria nos próximos dias e meses. Frio e neve dá para enfrentar. Dias curtos e com pouca luz são mais difíceis. A situação chega ao limite de um bolero clássico, “Frio en el Alma”. Os russos acalmam os assustados. “Nós também ficamos deprimidos, sobram desculpas para vocês”. Veterano brasileiro ia mais longe: “pense no futuro. Em seis meses, você verá russos de camiseta e russas sem sutiã na praça Pushkin. Termômetro em zero grau e os primeiros dias de sol”. Mais certeiro do que muito boletim do tempo!

*O jornalista Luiz Recena foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou