ARTIGO: Brasil e Rússia: dois países e um espelho

O futuro, na época, iria acomodar o ambiente; o presente está aí para provar todas as teses, vencedoras ou não

Reunião com o Presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin - Grande Palácio do Kremlin. crédito: Ricardo Stuckert / Secom-PR

Por Luiz Recena Grassi*

São grandes e variadas as diferenças entre o Brasil e a Rússia. Tantas que alguns amigos, soviéticos-russos, não cansavam de pesquisar e procurar só para, depois, tentar comparações. Três ou quatro deles, reunidos em grupo de estudos de sociologia e política, chegaram a escrever coisas. A melhor delas era um opúsculo intitulado “Dois países no espelho”.

Ali foram fazendo exercícios teóricos. Os climáticos: na Rússia verão, no Brasil inverno, no Brasil muito calor, muito tempo; na Rússia pouco tempo de calor para muito de frio. Futebol: o nosso imbatível, leve e bonito; o deles médio, duro, sem criatividade plástica, mais força que talento. Com a mão, as coisas mudavam, em vôlei e basquete eram quase imbatíveis. Chegamos até a ganhar deles, uma vez que outra. E, na ginástica, entrávamos na quadra para aplaudi-los.  

Hoje, tudo mudou, ou quase. Não podemos medir forças, porque os organismos internacionais burramente baniram os russos. Não é assim que se ganha. É feio. 

Na análise da Perestroika, o espelho era esgrimido com mais intensidade, principalmente nas comparações de direita e esquerda. A esquerda, lá, era ser contra o comunismo; uma posição, para nós, de direita. Usar ideias capitalistas, estimular a concorrência e o lucro, eram itens de esquerda a perseguir, para desespero de brazukas que abominavam quem ganhasse mais, obtivesse lucro. Mais velhos contra mais novos, o embate entre gerações dava-se em outro plano.

O futuro, na época, iria acomodar o ambiente; o presente está aí para provar todas as teses, vencedoras ou não. Estava a dever essa “pensata” para vários leitores, e o espaço abriu-se com a guerra em compasso de espera, a dar passo para outras análises. 

A melhor notícia foi o início, agora, sim, da troca de prisioneiros entre os dois lados. Foram 390 para cada um e deverão chegar a mil nos próximos dias. Confirma-se o importante resultado do início das negociações de paz. 

Uma negociação que começou mesmo a andar. Parece pouco, principalmente para os viciados nas emoções mais fortes de um conflito armado. Estes, de tanto ouvirem e verem tiros e bombas, explosões, ferimentos e mortes, não conseguem dormir com o silêncio. 

A outra nota que chamou a atenção foi o anúncio, pela Rússia, da criação de um cordão de isolamento na fronteira com a Ucrânia, ou Zona Tampão de Segurança, na tradução mais burocrática, usando para isso os territórios conquistados até agora, durante os pouco mais de três anos de conflito. E aqui, o espelho fecha: o Brasil não sabe o que é isso, pois há mais de século e meio que entra em guerra com sua dezena de vizinhos, enquanto a Rússia, nesse mesmo período, teve poucos momentos de paz, sem enfrentamentos armados, seja atacando, seja sendo atacada.

Não foi possível cumprir a pauta de não falar em guerra. Deu, apenas, para abordar os horrores e consequências de ataques ou contra ataques. Mas nos próximos dias começam os dias quentes do verão eslavo. Com promessas ainda dissimuladas de ações por parte dos dois exércitos em confronto.

O CORREIO SABE PORQUE VIU. 

Estava lá. Desde que cheguei a Moscou e comecei a estudar o idioma russo com mais tempo e paciência, prestei muita atenção nas expressões idiomáticas do dia a dia dos moscovitas. 

Algumas foram fáceis de aprender e usar, como a campeã “Boj Moi”, (Meu Deus!), usada em variadas situações num país, em tese, ateu. Não tinha nada a ver com religião, era expressão idiomática mesmo. Mais uma, está extraída de um conto popular “O peixinho dourado”, onde o velho pescador pega um peixinho dourado e este fala com ele prometendo melhor pesca se for solto. O velho volta para casa e conta à mulher que, ambiciosa, exclama “Durachina prostafilia”, doido, bobo, volte e peça uma casa. E assim vão aumentando os pedidos, até que o peixinho morre e a mulher tudo perde. 

Essa historinha parece ser a prima russa da Galinha dos Ovos de Ouro. Outra, que diz bem da cultura do país e que, até hoje, preciso dos livros para ajudar na tradução: “Dva medvedia ne mogut pomestitsia v adnoi berlogue”; ou: dois ursos não cabem na mesma toca. Até hoje vemos isso na política e na vida de todos os países.

E, para encerrar, uma que gosto muito e que também pode ser utilizada em vários países. Essa decorei: “Biez bumaski, ya bukaski; is bumaskon, chilaviek!” Sem papel sou um inseto; com papel…, sou cidadão… e abaixo a burocracia! Em qualquer idioma.

*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou