ARTIGO: Bomba, general, sangue e neve no Natal

Nas estepes, generais russos explodem nas mãos de terroristas pagos pela Ucrânia e aliados. No caso de Igor Kirilov, o das armas químicas, os ingleses apoiam a tese de que ele era um alvo de guerra

crédito: reprodução msn.com

Por Luiz Recena Grassi*

Fatos e pessoas costumam alterar a dinâmica das festas natalinas. 2024 não será diferente, ao menos no que diz respeito aos conflitos bélicos do mundo. A Síria foi a estrela dos árabes. Por enquanto cadente, à espera de um futuro melhor. Nas estepes, generais russos explodem nas mãos de terroristas pagos pela Ucrânia e aliados. No caso de Igor Kirilov, o das armas químicas, os ingleses apoiam a tese de que ele era um alvo de guerra. Nada mais justo, pois. 

Os Estados Unidos discordam e não podem por agora contrariar. Paira no ar a frase “Trump vem aí”, que ainda não quer dizer nada sobre o mundo depois da posse a 20 de janeiro próximo. Os russos começam a retaliar e aceleram os ataques e conquistas ao longo de 1.100 mil Km de frente estendida e em ação. A resposta prometida veio em mísseis contra a região de Kiev. Atingiu prédios da espionagem ucraniana e um depósito de armas e munições. Houve danos colaterais, materiais: sete sedes diplomáticas atingidas, Portugal inclusive. Está mantida a inclinação da Ucrânia em favor de ações de tipo guerrilha (silenciosa, o ataque a Rostov) ou barulhenta, a bomba no general. 

Das duas formas, nenhuma resolve. Por isso, Volodymyr Zelensky foi a Bruxelas pedir mais armas ao Conselho da União Europeia (UE), agora presidido pelo português António Costa. Dele ouviu um recado claro: “queremos vê-los aqui, um dia, como membro pleno do grupo”. Ou seja, nem tão cedo. Corre para o francês Emmanuel Macron e para os ingleses. Querem formar brigadas europeias para lutar contra a Rússia. Ideia difícil de realizar. O ucraniano quer adular Donald Trump, para que não lhe corte a mesada rapidamente. Em Moscou, Putin faz balanço do ano. Favorável na guerra, mais ou menos na economia, sofrível na alta segurança (o atentado mostrou erros sérios, admitiu). É outro à espera da posse de Donald Trump, com quem não conversa, afirma, há quatro anos. Está com cacife melhor e sabe o que pedir. Aceita negociar a paz ganhando território. 

Mostra novas armas, aviões, drones. Esgrima o apoio de aliados do Brics. Força a mão para recuperar Kursk e usa soldados seus e da Coreia do Norte. Avança. Se os chefes não falam, os assessores o fazem: estariam bem avançadas as conversas entre equipes do Kremlin e de Trump. 

Discretas e sigilosas, pelo menos até o mês que vem. A plateia qualificada de europeus e Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) segue na retórica antiga, sem mandar muitas armas novas, nem muito dinheiro para Kiev. Mantêm-se caprichando na propaganda da mídia em favor da Ucrânia. Trump conhece canais políticos, diplomáticos, midiáticos e outros. É questão de tempo. A batalha dos números prossegue enquanto o frio e a paciência aumentam. Depois de Kiev anunciar que seriam 400 mil as perdas russas na guerra, o Kremlin respondeu que já passariam de um milhão as vítimas ucranianas. Nenhum dos dois mostra provas de nada.   

O CORREIO SABE PORQUE VIU. 

Estava lá. O Natal na Alemanha é sempre muito alegre e naquele ano não foi diferente. Dias antes o correspondente foi de Moscou para Frankfurt. Depois Rio ou São Paulo conforme a tarifa. Aeroflot até Alemanha e Lufthansa para Pindorama. União Soviética e Brasil não tinham relações aéreas. Coisas da Guerra Fria. Dois dias na ida, outro tanto na volta para consumir a civilização ocidental antes de atravessar a cortina de ferro. 

Bons momentos em Colônia, a cidade mais simpática da Alemanha, longe dos vícios autoritários de impérios germânicos. Éramos sete: o correspondente, duas colegas brasileiras, um alemão, um afroluso, a espanhola anfitriã e na última hora candidatou-se uma russa, de idade indefinida, há anos na Alemanha falando mal dos soviéticos a chorar saudades de pessoas e comidas. Soube que teria caviar e disse “tô dentro”. Tinha credenciais, ler a sorte e fazer blinis divinos. 

Atrasou e começamos sem ela. Peixe defumado, patê camponês, embutidos vários e pãezinhos alemães únicos. Ovas de salmão abriram caminho para sua excelência o caviar verdadeiro, o negro, “chórni”. Duas vodcas russas de meio litro e duas Crystal da Gália. “Brut”, sempre brut. A russa chegou no meio, furacão dos Urais. Reclamou, gritou e foi logo fazer suas panquequinhas. Divinas mesmo. Para aperfeiçoar o caviar, dizia. Festa boa também acaba. Nosso alemão quis saideira na praça próxima. Tinha fechado bem o ano, levou as champanhes e queria mais. Sentia-se grato e feliz. E a noite de Colônia viu e ouviu um cordão da saideira em vários idiomas. Só a russa chorava.

*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou