ARTIGO: Alasca: Começar de novo para Putin e Trump

Quem não gostou estão “putins da vida” com o que foi anunciado sobre o encontro badalado entre os líderes dos EUA e da Rússia

Trump e Putin em encontro no Alasca, (Photo by ANDREW CABALLERO-REYNOLDS / AFP)

Por Luiz Recena Grassi*

O presidente russo, Vladimir Putin, e o norte-americano, Donald Trump, tiveram três horas de reunião e avisaram ao mundo que estão a fazer tudo para ficar de bem outra vez. Não fizeram detalhadas revelações sobre o que produziu o encontro: o conflito armado entre russos e ucranianos, o estado geral do mundo. Elogiaram a oportunidade de restabelecer a amizade entre eles e anunciaram um provável reencontro para breve, talvez em Moscou. 

A União Europeia não gostou, mesmo que Trump tenha prometido telefonar e explicar as conversas do Alasca. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) está muda. Quem não gostou foi a mídia norte-americana e seus aliados europeus pró-Ucrânia. Estão “putins da vida” com o que foi anunciado sobre o encontro badalado e alimentado por eles há uma semana. Queriam menções sobre tarifas, cessar-fogo, armas, ameaças ou novas sanções. 

Nada disso foi referido pelos dois líderes. Putin falou de história, gestos mútuos de alianças para gás e petróleo, bases de bombas escondidas para a defesa antes e depois da segunda guerra mundial, o convívio respeitoso mesmo durante a guerra fria e outros momentos em que os “vizinhos” se ajudaram. Quer melhorar a vizinhança.  Elogiou muito o comportamento de Trump neste segundo mandato. 

Sentou a pua em Joe Biden (ex-presidente dos EUA) e o governo dele. Inchado pelos elogios, o americano divagou sobre um futuro risonho. Um líder fala de passado; o outro responde com o futuro. Para quem torce o nariz para uma melhora nas relações entre eles, não custa lembrar: Henry Ford era entusiasta da revolução soviética e fã de Lênin. Presenteou a revolução com 20 mil tratores. 

Lênin retribuía a admiração e usou exemplos do capital para formular a NEP, nova política econômica, interrompida com a morte dele e desfeita com a violência dos burocratas bolcheviques e os equívocos econômicos de Josef Stálin. Os dois países voltaram a juntar-se na segunda guerra para combater o nazismo. Até ensaiaram um novo projeto de cooperação e amizade. 

Os tempos eram outros e o fim do conflito deu lugar ao período da guerra fria. Tudo ficou em banho-maria, à espera de nova oportunidade. Essa veio com a Perestroika de Mikhail Gorbatchov. Boas mudanças para os dois lados, principalmente para os russos e seus satélites soviéticos. Ucrânia incluída. “A manhã é mais sábia que a tarde”. 

O provérbio russo foi lembrado por uma fonte do Blog em Moscou. Até a hora de dormir a reunião foi acompanhada. Via Fox americana. “No deal” foi a frase de Trump pescada para análise. A ela seguiu-se a explicação de que não haverá acordo enquanto não se fizer acordo. 

Na manhã de sábado, mais detalhes. Putin disse que foi útil e oportuna a reunião com Trump. E mais: haveria um caminho sendo pavimentado para novas alianças produtivas. Tradução: há, sim, acordos à vista. E rápidos, a depender de Trump. 

O norte-americano já telefonou para Volodymyr Zelensky e lideranças europeias. O ucraniano deve abrir sua semana em Washington. Um emburrado Emmanuel Macron, presidente da França, insiste em sanções contra a Rússia. O hábil Keir Starmer, primeiro-ministro britânico, garante que deve-se fazer todos os esforços agora para obter um bom resultado final. 

O inglês fez novo acordo com Trump. O francês não, além de estar com grandes problemas internos no seu Parlamento e no calendário eleitoral que se aproxima. Tenta fazer pose. Ursula Von der Leyen, da UE, aplaudiu e agradeceu Trump por seus esforços. A roda da história girou. Devagar. Pode continuar assim ou acelerar. 

Enquanto isso, continua a operação militar. A Rússia bombardeando, a Ucrânia a defender-se. Deve sacrificar territórios para obter retorno positivo e agradar a Trump. A conversa no Alasca consolidou as duas lideranças do mundo. A Rússia volta aos poucos e Trump será fiador. A imagem do pacificador, com prêmio ou não, sai fortalecida.

O COREIO SABE PORQUE VIU.

Estava lá. – Você tem alguns dólares em casa? De tão repetitiva a pergunta perdeu-se na poeira do tempo e, hoje, nega qualquer autoria. Era de todos. Nunca tive chance de guardar dinheiro. Não tinha dólares em casa. Mas prometi ajudar. Estavam a pagar entre 15 e 20 vezes mais do que a cotação oficial, coisa que antes nem havia. Nessas condições não foi difícil ajudá-los.

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Colegas, amigos e conhecidos, todos estrangeiros, responderam aos chamados do mercado negro e se deram bem. Despesas em moeda russa despencaram. Por que todo esse esforço? Ora, viajar para os Estados Unidos, para conhecer e tentar o sonho americano. Muitos quebraram a cara, deram-se mal. Não importava. Foram para a América, viram e preferiram voltar à casa. Entre uma vodca e outra desfilavam lembranças sentidas. 

Se o sonho morreu, não morreu a simpatia deles pelos yankees. Foi fácil derrubar o que sobrou do regime bolchevique. Foram ao fundo do poço e ressurgiram fortes, armados e ricos. Reconquistaram poder. Não vai ser fácil acabar com isso de novo.

*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou