ARTIGO: A paz possível mesmo com sombras de guerra

Trump e Putin podem não ser o que existe de melhor entre os representantes dos que ganharam a grande guerra. Mas estão no poder e sabem o papel que cabe a cada um dos países que dirigem

Trump e Putin em encontro no Alasca (Photo by ANDREW CABALLERO-REYNOLDS / AFP)

Por Luiz Recena Grassi*

Muita intriga e poucas propostas. Foi assim a primeira semana depois das reuniões em Anchorage, no Alasca, e da Casa Branca sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia. Informação perto da verdade está a nota da agência Reuters, baseada em duas fontes do Kremlin, as três condições do presidente russo Vladimir Putin para a paz: renúncia da Ucrânia a região do Donbass; renúncia a qualquer participação ou ambições na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan); e a permanência definitiva na condição de país neutro na região, mantendo-se longe de quaisquer tropas ocidentais ou americanas. 

Para os ingleses, a proposta resumida das pretensões de Putin teria sido entregue ao próprio Trump, durante o encontro no Alasca. Se o presidente norte-americano, Donald Trump, debateu isso com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e os demais convidados, ainda não se sabe ao certo.

Mas as reações já começaram, puxadas pela chefe das relações exteriores da União Europeia (UE), Kaja Kallas. “É uma armadilha”, garantiu, ao aconselhar os europeus a não morder a isca. Disse que ela e os demais deveriam rejeitar essas ideias russas. Ela é da Estônia, uma das repúblicas bálticas (as outras são Letônia e Lituânia), que foram aliadas dos nazistas na Segunda Guerra Mundial, passaram para o lado soviético quando Adolf Hitler começou a perder, ficaram na sombra por um tempo e farejaram dez anos antes a derrocada dos bolcheviques. ontorcionistas políticos, passaram a colaborar com os americanos antes de terminar a Guerra Fria. E assim seguem até hoje. 

Só que a estrela desse grupo é o presidente da Finlândia, Alexander Stubb, alto, magro e jogador de golfe. Tem sólida formação superior em escolas dos Estados Undios, pós na França e carreira na burocracia da União Europeia (UE). Foi primeiro-ministro antes de ser presidente. É amigo próximo de Trump, com quem joga golfe e a quem o americano mima. 

A Finlândia é a mais hábil. Lutou ao lado dos nazis de 1941 a 1944. Participou do cerco a Leningrado (atual São Petersburgo), onde os russos perderam 1,3 milhão de pessoas, entre soldados, civis, crianças. Muitos de fome e frio. A ascensão de Stubb tem a ver com as quedas russas. Sempre apoiado pelos EUA, a quem prestou muitos favores desde os bancos escolares, o hábil Stubb chegou aonde está. E está mais próximo de Zelensky e outras lideranças da UE. Terá papel importante na execução dos desejos e vontades do seu novo líder. 

Zelensky também recebeu afagos na reunião da Casa Branca e saiu dali mais alto sem precisar mexer no salto do sapato. Cacifou-se para receber mais apoio, armas e dinheiro dos europeus. Os dois primeiros virão, o terceiro é mais difícil. Está raro. Se aparecer, já tem destino. Zelensky terá de lidar com os países líderes: Alemanha, França, Itália e Inglaterra; e o grupo B, União Europeia e Otan.

Dos primeiros, três não estão em bons lugares em termos de Segunda Guerra. Alemanha e Itália perderam feio. A França faz mea culpa até hoje pelo comportamento adesista, a República de Vichy e pequenas mesquinharias mortais contra judeus, partisans e comunistas. A sorte histórica foi providencial, bem como o marketing pós-guerra. E, ainda, a liderança do general Charles de Gaulle. Mesmo exilado em Londres, sem exército, só a rádio BBC soube manter acesa a chama de uma resistência pobre em meios, rica em ações. 

A Inglaterra é a única a encher o peito e gritar vitória. Os ingleses sabiam lutar e lutaram. Com o apoio material americano, mas com seus próprios e brilhantes generais e um líder político que atravessou tempos e até hoje é estudado: Winston Churchill (ex-primeiro-ministro britânico). Sobram dois: a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o secretário-geral da Otan, Mark Rutte. 

A primeira é a típica alemã de direita antiga, bastante conservadora e belicosa, antissoviética, anticomunista, antirrussa. É do grupo perdedor da Segunda Guerra. O outro, Ruttee, é holandês, integra o bloco de países que fez jogo duplo, pendendo primeiro para o lado nazi, depois para os aliados. Hitler aproveitou a Holanda para dali entrar em setores da França, além de buscar oportunidades para invadir partes da Inglaterra. 

Assim, pelo prisma da Segunda Guerra sobram dois atores. O primeiro levou os escolhidos para a Casa Branca e disse ter pressa para resolver a guerra. O segundo já tinha conversado com o primeiro bem longe, no Alasca. Disse também querer a paz e proteger seu país dos nazistas, ou neonazistas.  Não quer perder 24 milhões de pessoas novamente. Donald Trump e Vladimir Putin podem não ser o que existe de melhor entre os representantes dos que ganharam a grande guerra. Mas estão no poder e sabem o papel que cabe a cada um dos países que dirigem.

O CORREIO SABE PORQUE VIU. 

Estava lá. Fontes me cobraram outras histórias sobre momentos de aproximação entre Estados Unidos e Rússia. É um tema rico e exige espaço. Desta vez, o factual da semana exigiu mais. Fico a dever para a próxima coluna.

*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou