ARTIGO: A escalada das guerras traz novas leituras

A dialética não cansa de divulgar esses pensamentos ao longo da história. Políticos e generais insistem em ignorá-los

Por Luiz Recena Grassi*

Fortalecer conceitos e ações pode, ao mesmo tempo, enfraquecer discursos radicais e redução eventual de capacidade destrutiva. A dialética não cansa de divulgar esses pensamentos ao longo da história. Políticos e generais insistem em ignorá-los. Assim, junto com o incremento na guerra de Israel contra os árabes, um discreto pacote de sinais envolveu o conflito Rússia-Ucrânia em possibilidades de paz se não novas, com boas maquiagens.

O primeiro veio de Volodymyr Zelensky, o presidente ucraniano. Foi aos Estados Unidos para falar sobre planos de vitória. Ouviu muito mais do que falou: menos armas, menos dinheiro e propostas de paz das quais não gosta mas poderá ter de engoli-las. Deve ceder território.

Depois veio Vladimir Putin, o presidente russo: reformou a doutrina nuclear do país, combinada com o mundo décadas atrás, de só revidar ou atacar países que tenham armas nucleares. Agora, qualquer país que facilite essa ação contra a Rússia poderá ser atacado. A União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) tragaram em seco. Não devem liberar ataques a partir da Ucrânia contra o território russo com armas ocidentais. Crescem Brasil e China na proposta de paz que recebe cada vez mais apoio.

Jeffrey Sachs, economista que, muito jovem, assessorou os soviéticos Mikhail Gorbatchov e Boris Iéltsin, deu entrevista ao espanhol Vanguardia lembrando que se o mundo não está em paz agora a culpa é dos Estados Unidos, que desde o fim do século passado só pensam em hegemonia planetária. Ele vislumbrou a grande chance de negócios e riquezas para a nova Rússia e seus sócios. E defendeu a não expansão da Otan. Foi subestimado e atropelado pelos economistas dos falcões americanos. Formado em Harvard, Sachs está longe do comunismo. E o Vanguardia também. É um dos jornais mais conservadores da península Ibérica. Sachs encerra lembrando que tudo está escrito em “Geoestratégia para Eurásia”, de 1997 e autoria de Zbigniew Brzezinski. Aí está desenhada toda a estratégia que o capital e o conservadorismo queriam. Os conselhos foram aproveitados e os resultados são conhecidos. Judeu-polonês, naturalizado e assessor de vários governos dos EUA, Brzezinski deu aos conservadores caminhos e ferramentas. A tese obteve o apoio dos dois partidos e está aí até hoje: a Rússia não pode voltar a ser forte.

Mark Rutte, político holandês, assumiu a Otan  e chegou com juras de apoio e garantias aos ucranianos. Açúcar e afeto. O doce a ser servido no inverno terá certamente mais convivas na festa. Rutte conheceu Putin e foram parceiros. Países principais da Otan  emitem sinais de que a Ucrânia está a cansar a paciência de todos. Avisam que apoio e armas vão diminuir muito. E as iniciativas de paz continuarão. Melhoram as tendências sobre mudanças positivas antes do inverno acabar. Até lá, a Rússia continuará avançando e a Ucrânia investindo em guerrilha. O inverno vai clarear pontos de vista.

O CORREIO SABE PORQUE VIU.

Estava lá. A chegada do inverno em Moscou costuma vir acompanhada de anedotário especial, para assustar os marinheiros de primeiras neves. São algumas recomendações para prevenir acidentes e situações difíceis, e um variado repertório de casos dignos das melhores lendas urbanas. O da embaixatriz dos trópicos que lavou a cabeça com água quente e foi para a varanda de casa, onde nevava. Os cabelos congelaram, caíram e ela ficou… careca! Ou a história da pequena tribo de caucasianos que enfrentou dias de frio e neve e seus homens sofreram congelamento dos lóbulos das orelhas. Ficaram sem eles… As mulheres salvaram-se porque usavam lenços na cabeça. Outros ensinavam: água quente no capô do carro para derreter a neve; ou o ritual da roupa: primeiro, as finas coladas ao corpo, depois as mais grossas e por fim o casacão pesado sobre todas elas. O correspondente da terra do sol tudo ouvia. E ria. Até o dia em que a neve, pisada e lisa, pregou-lhe um susto previsto: escorregou, perdeu o equilíbrio e … caiu de bunda no chão! Rendeu charges caseiras e comentários que atravessaram o tempo.   


O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou