Um dia após o Banco Central ignorar o apelo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pela redução dos juros, o mercado financeiro reagiu como se os juros estivessem despencando, pois a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) teve um comportamento atípico e bateu novo recorde, nesta quinta-feira (6/11), o nono seguido, ao encerrar o dia com alta de 0,03%, aos 153.338 pontos – maior patamar da história. Ao longo do pregão, a B3 chegou a romper a barreira de 154 mil pontos, novo recorde intradiário, curiosamente em um cenário de política monetária bem mais conservadora, que costuma fazer com que o investidor fuja do risco da renda variável.
Na quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu manter a taxa básica da economia (Selic) em 15% ao ano, pela terceira reunião consecutiva, e, com isso, os juros básicos seguem no maior patamar desde julho de 2006. No comunicado, o colegiado reforçou que há muitas incertezas, reafirmou que a taxa básica deve continuar em patamares elevados “por um período prolongado”, e ainda manteve a janela aberta para uma eventual alta dos juros, em caso de necessidade.
“O Comitê enfatiza que seguirá vigilante, que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e que não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso julgue apropriado”, destacou a nota do Copom, que não sinalizou quando pretende começar a reduzir os juros.
No comunicado de quarta-feira, o Banco Central ainda reforçou que “o cenário segue sendo marcado por expectativas desancoradas, projeções de inflação elevadas, resiliência na atividade econômica e pressões no mercado de trabalho”. E, para assegurar a convergência da inflação à meta em ambiente de expectativas desancoradas, “exige-se uma política monetária em patamar significativamente contracionista por período bastante prolongado”.
Na avaliação de analistas, a decisão e o tom mais duro do comunicado do BC passaram a mensagem de que a instituição é independente da política e, portanto, seguirá tomando decisões com foco na convergência da inflação para o centro da meta, de 3%. Para o horizonte relevante da política monetária, ou seja, no segundo trimestre de 2027, o Copom espera que a inflação recue para 3,3%. E, para este ano, revisou a estimativa para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 4,8% para 4,6%, ainda acima do teto da meta, de 4,50%.
Eleições no radar
A aproximação das eleições em 2026 também deve ter pesado na decisão, segundo os analistas. “O Copom resolveu ser mais duro para segurar a boiada pelo chifre e, assim, evitar que alguma notícia possa levar ao expansionismo fiscal, devido às incertezas por conta das eleições em 2026, possam impedir quedas precipitadas nos juros”, avaliou o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do BC.
O economista recordou de uma máxima na política monetária que indica que, quando a Selic sobe, ela vai de elevador, mas, para descer, “é preciso que ir de escada”, ou seja, mais devagar. “E também tem um timing político para segurar a inflação para que o sabor da queda seja mais perto das eleições, porque o Roberto Campos Neto (ex-presidente do BC), aumentou a Selic antes do pleito, o que deve ter contribuído para a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2022”, conjecturou o ex-diretor do BC.
Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, ressaltou ainda que, ao manter o comunicado bem parecido com os anteriores, o Copo, tem seguido a tendência de afastar a discussão sobre corte de juros em breve. “Isso inclui dezembro e parece incluir janeiro de 2026 também”, apostou.
De acordo com ele, apesar de a política monetária estar refletido na economia, com a perspectiva de desaceleração na atividade neste ano e no ano que vem, esse efeito é “mais fraco do que no passado” por conta da política fiscal seguir expansionista, ou seja, com o governo gastando muito mais do que arrecada. “O cenário fiscal segue com as contas do governo deficitárias no terceiro mandato do presidente Lula. Isso enfraquece um pouco a política monetária”, alertou Cruz.
Na avaliação de Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, o BC ainda sinalizou no comunicado que pretende manter os juros elevados por mais tempo, mesmo com a expectativa da inflação em queda, significa que ele está trabalhando com um aperto monetário adicional, com aumento da taxa real de juros. Nesse sentido, segundo ele, o Copom reconheceu que pode haver dúvidas se faz sentido acontecer isso agora, com a economia desacelerando, o mercado de trabalho se ajustando, e a questão fiscal ainda mal-resolvida. Mas alertou que essa ideia de aperto da taxa real no final do ciclo, que é o que o Banco Central aparentemente quer perseguir, “talvez possa ser um pouco demais”.
“Manter a taxa real no patamar como está hoje já seria suficiente, ao longo do tempo, para trazer a inflação para baixo. Isso está acontecendo”, considerou Vale que também fez um alerta sobre a proximidade do cenário eleitoral. Pelas estimativas da MB, o BC deverá começar a reduzir os juros em janeiro de 2026, mas, por conta das eleições, a Selic deverá encerrar dezembro em 13% ao ano. “Não há muito espaço para uma queda adicional dos juros no final”, frisou o economista.
Diferencial de juros
Tradicionalmente, a Bolsa costuma cair quando os juros básicos sobem ou são mantidos em patamares elevados como o atual, uma vez que os investidores mais resistentes ao risco aumentam o interesse por aplicações na renda fixa. Contudo, mesmo com a taxa Selic no maior nível em quase 20 anos desde junho, e com juros reais (descontada a inflação) perto de 10% no acumulado em 12 meses, o Índice Bovespa (IBovespa), principal indicador da B3, registrou 12 altas consecutivas. Enquanto isso, o dólar voltou a cair frente ao real e encerrou o dia cotado a R$ 5,348, com desvalorização de 0,23%
De acordo com Eduardo Velho, economista-chefe e sócio da Equador Investimentos, atribuiu esse comportamento impulsionado, principalmente, pelo diferencial dos juros brasileiros com o dos Estados Unidos, que estão em queda, e pelos bons resultados dos balanços das empresas listadas na B3. Velho ainda destacou que a perspectiva de novas quedas de juros nos EUA e aqui, mas de forma gradual, tende a atrair mais investidores estrangeiros para o país e, com isso, o dólar tende a seguir mais desvalorizado, ajudando também a diminuir pressões inflacionárias.
“Há vários fatores importantes para explicar esses recordes seguidos da Bolsa. O BC está vencendo o combate contra a inflação, que vem desacelerando e o mercado preferiu ignorar os problemas fiscais, no momento, e preferiu trabalhar com a perspectiva de que, em algum momento, os juros brasileiros também devem começar a cair ”, afirmou.
Segundo Eduardo Velho, apesar de o mercado financeiro seguir esperando uma correção dos preços dos ativos negociados nas bolsas norte-americanas, entre 15% a 20%, os investidores decidiram aproveitar os bons ventos do momento da B3. “Enquanto esse ajuste não vem, o mercado está surfando com a expectativa de um movimento de flexibilização nas taxas de juros dos EUA e do Brasil e com o diferencial de juros no momento”, disse.
Na avaliação de Velho, a decisão mais conservadora do BC brasileiro também reflete as incertezas no balanço externo de riscos, uma vez que, pelas estimativas dele, o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), deverá reduzir as taxas de juros norte-americanos dos atuais 3,75% a 4% ao ano, para, pelo menos, 3% a 3,25% até o segundo trimestre de 2026. “Será um gradualismo da política monetária monitorando a intensidade do impacto do tarifaço sobe os preços domésticos dos EUA, além do grau de seu prolongamento”, explicou.