Enquanto o governo adia o envio ao Congresso da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do pacote de cortes de gastos de cerca de R$ 70 bilhões até 2026, o mercado financeiro segue nervoso e menos empolgado com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O dólar chegou a bater a cotação recorde de R$ 6,11, na manhã desta sexta-feira (29/11), e só recuou depois das declarações dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD) e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Eles reforçaram que a ampliação da isenção do Imposto de Renda ficará para depois do pacote.
Apesar de o titular da equipe econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter falado por sete minutos em rede nacional quando anunciou o pacote de corte de despesa, e, ao mesmo tempo, uma medida na contramão, que ampliará a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, a forma de como foi feito o anúncio não agradou e gerou desconfianças sobre o prestígio de Haddad no primeiro escalão e sua capacidade para conseguir reequilibrar as contas públicas e conter a trajetória de crescimento da dívida pública.
Pacheco afirmou, por meio de nota, que o aumento da faixa de isenção do IR para quem recebe até R$ 5 mil “não é pauta para agora”. Pouco antes, Lira escreveu nas redes sociais que o debate sobre a isenção do IR “até R$ 5 mil “só será votada em 2025”. Após as duas declarações, o dólar recuou no início da tarde para mais perto de R$ 6. Enquanto isso, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) operava no azul, após dois dias de perdas que somaram R$ 172,9 bilhões. Às 13h57, apresentava alta de 0,48%, a 125.211 pontos.
“O pacote de corte de gastos demonstra que o governo não tem articulação. Durante o mês inteiro, ele negociou medidas para buscar o equilíbrio fiscal e não conseguiu. Os ministros conseguiram manter temas fora do texto final e as contas sobre a economia do pacote foram foi mal recebidas. O curioso é que o mercado iniciou novembro esperando um corte entre R$ 35 bilhões e R$ 50 bilhões, surgiram rumores de R$ 15 bilhões, o que fez o mercado aceitar R$ 35 bilhões. Mas o próprio governo deixou vazar os R$ 70 bilhões e ficou refém desse número”, destacou Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos. “O mercado viu que a conta do impacto das medidas anunciadas pelo ministro não chega a R$ 70 bilhões e ainda ficou preocupado, porque o governo afrouxou o ajuste fiscal com a mudança do Imposto de Renda”, acrescentou.
De acordo com analistas, o mercado vai ficar mais atento às falas de Lira e de Pacheco do que de Haddad e, os dois tentaram acalmar um pouco os ânimos dos agentes financeiros enquanto o ministro participava de um almoço com o setor financeiro, organizado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Lá, ele reforçou o mantra de que a equipe econômica está “totalmente comprometida com o equilíbrio fiscal”. Segundo ele, é fácil falar “faz o ajuste”. “Não estou fazendo o ajuste por concessão a ninguém, faço porque acredito nele. Não vamos conseguir nenhuma bala de prata”, declarou.
“Sem a liderança e apoio de Pacheco e de Lira, o governo não aprova algumas coisas boas do pacote, mas ainda são insuficientes para reverter a trajetória de aumento da dívida pública bruta, sem corte garantido de gastos”, destacou Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos. “O que Pacheco e Lira disseram é bom, pois só aprovarão a isenção para quem ganha R$ 5 mil do IR se, efetivamente, ficar garantido que terá outra receita para financiar ou corte de gastos”, acrescentou.
Para Gustavo Cruz, da RB, Haddad continua sendo visto como o nome mais forte no PT para suceder Lula. “Ele teve sete minutos de exposição em rede nacional, em pleno ritmo de campanha. Querendo ou não o pacote de corte de gastos saiu e o nome do novo presidente do Banco Central (Gabriel Galípolo, ex-secretário-executivo da Fazenda) foi o que ele quis. Mas ele não é inatingível. Talvez o mercado esteja menos empolgado com Haddad, no momento”, avaliou.