O Brasil é o país que mais gasta com supersalários de servidores no mundo, conforme pesquisa encomendada pelo Movimento Pessoas à Frente e pela República.org, instituições da sociedade civil voltadas à valorização do servidor público, que analisou o funcionalismo de 11 países, e divulgada nesta semana. E esse privilégio de um pequeno grupo de funcionários públicos representa um gasto extra no Orçamento da União de R$ 20 bilhões nos últimos 12 meses – algo que poderia ser evitado se houvesse uma reforma administrativa que atacasse esse problema.
Esse montante pago anualmente acima do teto constitucional, de R$ 46,3 mil, equivale a 26,4% da previsão do rombo fiscal previsto pela equipe econômica para este ano. Conforme dados do relatório de avaliação de receitas e despesas do 5º bimestre deste ano, as contas públicas devem encerrar 2025 com um deficit primário de R$ 75,7 bilhões — dado cheio, sem considerar os abatimentos de despesas previstos em lei para o cumprimento contábil do arcabouço. Neste ano, a meta fiscal permite um saldo negativo de até R$ 31 bilhões neste ano e o governo, mesmo com os descontos de precatórios (dívidas judiciais) e outros abatimentos ainda precisou fazer uma contenção de R$ 7,7 bilhões para cumprir a meta fiscal pelo piso.
Logo, os R$ 20 bilhões de gastos com os adicionais ao teto salarial dos servidores ativos e inativos estimado na pesquisa equivale a 26,4% desse rombo previsto. Contudo, os valores podem estar subestimados e esse custo anual pode dobrar se a base de análise for ampliada, segundo especialistas.
Os dados da pesquisa mostram que o fosso da desigualdade entre os mais ricos e o salário médio do brasileiro. Esses R$ 20 bilhões são destinados, anualmente, a uma casta de 53,5 mil servidores ativos e inativos que recebem acima do teto constitucional remuneratório, de R$ 46,3 mil. Vale lembrar que o teto do funcionalismo é 13,6 vezes maior do que o salário médio dos trabalhadores brasileiros, de R$ 3,4 mil, medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e que é inferior ao novo limite de isenção do Imposto de Renda, de R$ 5 mil, que passará a valer a partir de janeiro do próximo ano.
Guilherme Cezar Coelho, economista e fundador da República.org, ressaltou que a pesquisa revela números alarmantes sobre os gastos do Brasil com uma pequena elite do funcionalismo. “Mas o custo total dos supersalários, se aumentarmos a amostragem, pode ser ainda bem maior, alcançando, possivelmente, R$ 40 bilhões”, afirmou.
A economista Ana Pessanha, especialista em Conhecimento da República.org, reforçou o argumento de Coelho, e não tem dúvidas de que o valor do gasto extra com supersalários pode ser o dobro do estimado pela pesquisa, porque o estudo analisou um universo pequeno do total de servidores no país. Em 2024, o total de servidores ativos e inativos nos governos federais e regionais girava em torno de 12,6 milhões.
“A amostra foi de 4 milhões de servidores ativos e inativos. Se tivéssemos uma base completa com todos os servidores ativos e inativos de todos os entes federativos esse número certamente seria maior, o problema é que essa base não existe”, explicou a economista.
Na avaliação de Coelho, qualquer reforma do Estado deve começar por regular melhor os salários públicos. “Uma regra de ouro que aprendemos com os países com bom serviço público é que servidores, de qualquer poder ou nível, não podem determinar seus próprios salários e benefícios”, defendeu. Segundo ele, supersalários pagos a 1% dos servidores, “além de queimar o filme dos outros 99%, são um tema econômico, e devem estar dentro do ajuste fiscal.”
Magistratura cara
O levantamento considerou 10 países além do Brasil: Alemanha, Argentina, Chile, Colômbia, Estados Unidos, França, Itália, México, Portugal e Reino Unido. Os gastos com supersalários no Brasil representam US$ 8 bilhões de paridade de poder de compra (PPC), que compara o poder aquisitivo de diferentes moedas, segundo o estudo. Esse montante é 21 vezes maior do que o salário extra teto pago na Argentina, segundo colocado na lista, que tem um folha com 27 mil servidores públicos com supersalários, de acordo com o estudo.
Os Estados Unidos aparecem na sequência com pouco mais de 4 mil servidores com remuneração acima do teto. Os demais pesquisados não registraram mais de 2 mil trabalhadores com supersalários. A Alemanha, maior economia da Europa, por exemplo, não tem registro de casos.
O estudo considerou como supersalários os vencimentos que ultrapassam o limite definido na legislação de cada país. Os dados são do período entre agosto de 2024 e julho de 2025. No Brasil, os supersalários são pagos principalmente na magistratura, no Ministério Público e em carreiras como advogados da União e procuradores federais.
O Brasil também apresentou o maior número de funcionários públicos, incluindo a casta dos 1% da população mais rica, com renda anual acima de R$ 685 mil, em 2025. Ao todo, 40 mil servidores se encaixam nesse grupo. Em seguida, vem a Colômbia, onde apenas 2.774 estão no 1% mais rico da população.
Logo, a magistratura no Brasil é o que mais pesa no Orçamento da União e ajuda a aumentar o fosso da desigualdade no país, gerando uma casta de privilegiados que não tem comparação em nenhum outro lugar do mundo.
Conforme o levantamento, quase 11 mil juízes receberam mais de US$ 400 mil – cerca de R$ 1 milhão –, entre agosto de 2024 e julho de 2025, valor superior ao pago a qualquer magistrado em sete dos outros 10 países analisados. Mas, em alguns casos, juízes brasileiros sem cargo de direção receberam mais de US$ 1,3 milhão, impulsionados por pagamentos retroativos.
A remuneração inicial de um magistrado brasileiro é a quarta maior entre os países analisados, sendo muito próxima ao salário dos juízes do Reino Unido e inferior apenas ao valor pago nos EUA e no México. Ainda de acordo com o estudo de 89 páginas, “um sistema eficaz de prevenção e combate aos supersalários depende de uma governança que seja vista como legítima por parte da sociedade e dos servidores, e que esteja em condições de fazer os termos da reforma valerem”.
Na amostra analisada, o Executivo federal contribui com mais de R$ 4,3 bilhões pagos acima dos limites constitucionais. Desses montante, R$ 3,6 bilhões (82,4%) foram pagos a advogados da União, procuradores federais, procuradores da Fazenda e procuradores do Banco Central, notadamente a partir de honorários advocatícios (sozinhos, contribuem com 17,8% do total de excedente pago com supersalários).
Pouco mais de 7,8 mil servidores com supersalários (64,2% do total dos servidores do Executivo federal, da amostra analisada, nessa condição) são integrantes dessas carreiras. Destaca-se ainda
que quase 6,8 mil servidores beneficiados com os honorários de sucumbência alcançaram, nos últimos meses, remunera ção líquida superior a R$ 1 milhão.