ARTIGO: Trump foge de casa, Europa canta bolero

Renovado e mais feliz, Donald Trump foi para o Reino Unido apertar a mão do rei Charles III (um rei não beija a mão de outro)

Trump e sua esposa, Melania, foram recebidos ao desembarcar do helicóptero pelo príncipe e princesa de Gales, William e Kate, e pelo rei Charles III e pela rainha Camilla - (crédito: Kirsty Wigglesworth / POOL / AFP)

Por Luiz Recena Grassi*

O presidente norte-americano Donald Trump fugiu de casa semana passada. Na verdade, não fugiu, apenas afastou-se, por não aguentar a pressão do ambiente doméstico. E foi para a Europa.

Começou no Leste Europeu, onde foi recebido com muita pompa e circunstância na fronteira de Belarus e Rússia, por Vladimir Putin e seu fiel aliado, Alexander Lukashenko. Há mais de 15 dias, Rússia e Belarus realizam manobras militares e convidam representações de oficiais de alto nível de países como China, Coreia do Norte e Estados Unidos. Não há trocas de segredos, nem precisa. 

As potências militares sabem tudo umas sobre as outras e não costumam brincar com essas coisas. O que querem é ver de perto as novidades, um prazer que as vezes demora para renovar-se. É uma forma de manter a informação em alto nível. E a festa ocorreu. Mísseis modernos e caças de última geração foram mostrados aos americanos. São só caças e mísseis, nada mais. Não se exercita mais a prática de criar pontos novos de atritos e confrontos militares.

Os presidentes Vladimir Putin e Alexander Lukashenko receberam o norte-americano como especialíssimo convidado às manobras militares entre os dois países. Foi tratado a pão de ló. O encontro foi breve, mas a delegação de alto nível de oficiais americanos ficou mais uma semana. Assistindo tudo e tomando nota de tudo quanto era novidade bélica. 

Os russos não esconderam seu arsenal mais moderno e os americanos adoraram a visita, salivaram diante dos novos e modernos brinquedinhos à disposição dos antigos adversários da Guerra Fria. Renovado e mais feliz, Donald Trump foi para o Reino Unido apertar a mão do rei Charles III (um rei não beija a mão de outro).  Não houve demonstração de força.

Nem poderia. O arsenal britânico não é mais importante e o reino depende dos Estado Unidos nesse campo. No plano econômico houve progresso: os ingleses estão a pagar quase nada de taxas e os americanos conseguiram vender e dominar tudo o que queriam. 

Na paralela da visita, um festival de salamaleques deu o tom. Houve mais festejos do que reuniões de trabalho. Antes disso, a imprensa inglesa e a norte-americana fizeram todo o barulho do mundo, todos lembrando a paixão dos súditos do Tio Sam pelos babados e rococós do reino da Inglaterra, ou da Velha Albion, como gostavam de dizer nossos antepassados.

Depois de um grande e espetacular banquete e outros mimos, mas Trump voltou. Há trabalho a fazer, em casa para explicar escândalos; e fora, desde a guerra em que Israel massacra palestinos, até o confronto militar onde a Ucrânia leva uma exemplar surra. O que fazer com Ucrânia e Volodymyr Zelensky foram dois itens a serem abordados. 

A semana terminou com o anúncio de mais um pacote de medidas contra a Rússia, feito pela chefe da União Europeia, Úrsula Von der Leyen. Ela disse que os detalhes estão sendo estudados e que serão novamente sobre petróleo, gás e energia. Lembrete: as 18 vezes anteriores não quebraram a Rússia, principalmente, porque os próprios aliados, por necessidade, furam o combinado. 

A Alemanha comprou petróleo e gás dos russos em vários mercados, seja via triangulação, seja direto dos “navios fantasmas” que navegam naquelas águas. No que vai do conflito, os alemães compraram 58 carregamentos de petróleo e gás da Rússia. E continuam comprando em fontes diferentes. Mas não deixa de acelerar seus ímpetos guerreiros.

Politicamente, os alemães mantêm a ideia de fortalecimento das suas estruturas de guerra. A Alemanha continua querendo ser uma potência bélica. A Espanha, que se declarou neutra e, depois, contra o Kremlin, congelou a compra de caças F-35 dos Estados Unidos, mas manteve as compras de petróleo russo. 

E a Itália, também em posições anunciadas como pacíficas, desde o começo da guerra até 2024, fez encomendas e compras: passou de 2,1 bilhões de metros cúbicos para 6,2 bilhões de metros cúbicos de gás. Ela compra petróleo também. A fonte teórica de tudo isso é a SEFE, Securing Energing for Europe.

E, assim, os europeus tecem as vestes de sua hipocrisia. E dão razão ao mito de um grande cantor cubano, Bienvenido Granda, imortal intérprete do bolero “Hipócrita, Simplesmente Hipócrita.”

*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou