ARTIGO: O imperador, a cor laranja e o Bobo

O presidente dos EUA, Donald Trump, já não ama com intensidade seu homólogo russo, Vladimir Putin. Acusa-o de prometer paz e depois só fazer a guerra

Trump e Putin, em 2018. BRENDAN SMIALOWSKI/AFP

Por Luiz Recena Grassi*

Lidar com os russos pode ser fácil e difícil ao mesmo tempo. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está descobrindo isso. Já não ama com intensidade seu homólogo russo, Vladimir Putin. Acusa-o de prometer paz e depois só fazer a guerra. Contrariado, decidiu rearmar a defesa da Ucrânia a curto prazo. A médio prazo, mandar para Kiev armas.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, está contente e fez reformas em seu governo Yulia Svyrydenko deixou de cuidar da Economia, o que fazia há cinco anos, e assumiu como primeira-ministra. Denys Shmyhal, passou o cargo e foi cuidar da Defesa, agora com expectativas de melhores chances para executar sua tarefa principal, defender seu país dos bombardeios russos que, até agora, conquistaram mais de 20% do território da Ucrânia. Mesmo sabendo que vai ter de carregar pedras, assume confiante e otimista. Até agora, não falou de paz, mas isso ao que parece é só detalhe.

Trump também está contente, pois arrumou quem pague a astronômica despesa de bilhões de dólares. Os países europeus, pelo menos os principais, pagarão a conta. E aqui começam as fissuras. Cada sistema Patriot, o melhor da defesa do Ocidente, pode custar entre US$ 1 bilhão, o modelito mais simples, a US$ 3,7 bilhões, os modelos de última geração, totalmente equipados.

A ideia de Trump é começar a mandar agora o material de guerra para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que repassará aos poucos para as tropas de Kiev. Tudo vinculado aos pagamentos a serem feitos pelos europeus. Opção para o novo acordo é que países que têm alguma arma, adiantem o envio para a Ucrânia.

Esses ficariam em primeiro lugar nas novas filas de armas. E o dinheiro? A bufunfa, de onde realmente virá? Em tese dos europeus da Otan. Mas haverá espaço para outros, entre eles Reino Unido e Canadá. Esse seria o desenho perfeito. Só que os europeus ainda não reagiram e não há indício de ucranianos usando novas armas até o fim do verão. Seguirão apanhando do exército russo, perdendo terreno e contando seus mortos.

Nesse tema continua a troca de presos, vivos ou mortos, entre os dois países. Situação constrangedora ocorreu na última troca de corpos caídos em combate. A Rússia entregou mil cadáveres aos ucranianos. A Ucrânia respondeu entregando 19 corpos.

Os analistas não sabem explicar o que isso significa. A voz comum é constatar que Kiev ficou mal na foto. Ou não abateu tantos russos quanto informou ao longo do tempo, ou sumiu com suas vítimas. O tema é delicado demais para estimular projeções ou achismos.

Resta ao presidente Trump uma vitória no papel, uma comemoração imediatista e um bobo: o secretário-geral da Otan, Mark Rutte. Na Casa Branca, quase chorou de tanta alegria. Criou músculos e para agradar o chefe Trump saiu ameaçando quem eventualmente atrapalhe o projeto do homem cor de laranja, ou o Imperador do mundo.

O alvo principal são países dos Brics. Índia, China e Brasil foram nominalmente ameaçados: quem negociar com a Rússia será castigado com sanções e sobre preços. A Otan não é organismo comercial, só isso deixa nu o Bobo da corte do Imperador Laranja. Este tem dinheiro e armas, mas o que quer mesmo é fazer alguma paz entre Rússia e Ucrânia, por isso deu 50 dias e deixou uma janela aberta para Putin.

O russo tudo entendeu, demorou a responder, fez suspense e, por fim, em conversa com Tayyip Erdogan, da Turquia, garantiu que está pronto para a paz, a qualquer dia e a qualquer hora. Com ou sem intermediação dos Estados Unidos. Trump não vai perder essa. Está prontíssimo para participar e sair bem na foto, para desconfiança dos europeus e desespero de seu Bobo. A fobia de alguns governos contra a Rússia estimula Kiev a tentar ataques aos russos.

Num esquema de quase guerrilha, a inteligência ucraniana atacou bases da gigante Gazprom, território russo. Alguns danos materiais e nada mais. Serve para agradar o Imperador Laranja, preocupado em meter o bedelho nas questões internas de parceiros antigos. O Verão está muito mais quente este ano. O que ajuda a entender reações desmioladas de lideranças atuais. Comportamento tipo “biruta de aeroporto”, que muda de posição segundo o lado de onde sopra o vento.

O CORREIO SABE PORQUE VIU


Estava lá. O Verão pode avariar cabeças em Moscou. Recebi a visita de colegas de outros países e levei-os a passear. Com sede, pediram água. Fomos todos a uma máquina de rua. A ideia de poucos copos em cada máquina, lavados tipo meia boca não agradou. A sede era forte. Piorou. Não havia líquido.

Fomos a um quiosque que reverberava. Ali sempre tinha cerveja fresca. Não tinha. Nada. Meus colegas concluíram que assim não se poderia viver. E voltaram para o hotel. Levaram-me junto. Europeus todos, discutiram sobre a minha canonização. Entre uma água fresca e uma cerveja bem gelada. Não rejeitei o título.

*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou