Congresso arma bomba fiscal de R$ 1 trilhão com PEC de novo calote de precatórios

A PEC 66/2023, que deverá ser votada nesta terça-feira (15/7) pelo Legislativo, sofre mudanças que permitem até calote de precatórios de estados e municípios armando bomba fiscal de R$ 1 trilhão até 2035, segundo especialistas

Congresso Nacional. Crédito Rosana Hessel/DAPress

O conflito entre Executivo e Legislativo em torno da polêmica do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e a confusão gerada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump com a taxação de 50% sobre os produtos brasileiros a partir de agosto, escondem uma nova bomba fiscal que está sendo armada pelo Congresso Nacional e que deve fazer um estrago e tanto na dívida pública, de acordo com especialistas em contas públicas. Não bastassem as contas públicas estarem desequilibradas pela falta de um ajuste estrutural do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e por medidas do Legislativo que oneram os cofres públicos, como o aumento no número de cadeiras da Câmara dos Deputados de 513 para 531, os parlamentares estão em vias de aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que criará uma despesa de R$ 1 trilhão até 2035 com medidas que marcam a volta do calote de precatórios, como ocorreu no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PEC).

Trata-se da PEC 66/2023, de autoria do Senado Federal. Assinada por vários senadores governistas e da oposição, como Jader Barbalho (MDB-PA), Luis Carlos Heinze (PP-RS), Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e Davi Alcolumbre (União-AP), a proposta previa a abertura de um parcelamento especial de débitos dos municípios com os seus Regimes Próprios de Previdência dos Servidores Públicos (RPPS) e com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Mas, devido à criatividade dos parlamentares, as alterações introduzidas na Câmara o pacote de medidas que oneram os cofres públicos vai além e cria uma nova versão do calote de precatórios (dívidas judiciais) de estados e municípios.

Essa pedalada nos precatórios, adotada pelo governo do ex-capitão do Exército, maquiou o resultado das contas públicas de 2022, que fecharam no azul, mas foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) há menos de dois anos. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, precisou pagar esse calote do governo anterior e atribui isso como “herança maldita” de Bolsonaro para justificar o desequilíbrio fiscal atual. Vale lembrar que, pelas estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI),  as contas públicas devem continuar no vermelho até 2035, pelo menos, sem essa nova bomba fiscal.

“Ao impor uma regra que comprime os pagamentos anuais de precatórios, insuficientes sequer para quitar as novas emissões, o texto reintroduz precatórios sem prazo para quitação. O texto, ainda fora do radar dos mercados, tem potencial elevar substancialmente a dívida pública (em centenas de bilhões de reais), gerar depreciação cambial, pressionar a inflação e tornar ainda mais difícil a missão do Banco Central, tudo isso em meio às ameaças de guerra tarifária do governo Donald Trump”, destacou Fernando Genta, economista-chefe da XP Asset, em relatório a clientes ao qual o Blog teve acesso.

Na avaliação do economista da XP, a nova versão da PEC “foi desconfigurada, sem qualquer estimativa de impacto fiscal, e caminha para rápida aprovação, sem o devido prazo para um debate público técnico e qualificado”. Ele destacou como alteração mais crítica a redução substancial dos limites de pagamento de precatórios como percentual da Receita Corrente Líquida dos municípios
endividados. “Tal alteração viria acompanhada da extensão para 10 anos (o dobro do prazo
aprovado no Senado) para a reavaliação se os pagamentos estariam sendo suficientes para reduzir a dívida. Como veremos mais adiante, essa combinação faz com que o pagamento anual da dívida sequer supere o montante de novos precatórios expedidos, criando o já conhecido efeito bola de neve. Ou seja, a Câmara desestabiliza a qualidade fiscal e contrata dívidas impagáveis.

O especialista em contas públicas Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos engrossou o coro com Genta ao alertar sobre a bomba relógio da PEC 66, que deverá ser votada nesta terça-feira (15/7), no plenário do Congresso Nacional.  “Essa PEC é uma combinação de contabilidade criativa, mais o refis de dívida previdenciária de estados e municípios e a negociação dos precatórios”, afirmou Barros, ao Blog.

“A PEC 66, se aprovada, significa a materialização de um risco fiscal ignorado pelo mercado. Além de ampliar o espaço fiscal do governo federal por meio da reclassificação, criativa, dos precatórios e sentenças judiciais, promove um ‘calote’ nos precatórios subnacionais”, acrescentou Barros.

Bola de neve e explosão da dívida

De acordo com o relatório de Genta, que foi subsecretário de Políticas Macroeconômicas do Ministério da Fazenda entre 2016 e 2018, a PEC cria uma bola de neve de problemas fiscais impagáveis que devem fazer a dívida pública explodir.

No fim de 2024, os municípios que estavam no Regime Especial, tinham quase R$ 90 bilhões em dívidas de precatórios.  E, mesmo corrigindo essa dívida pela inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mais 2%, o crescimento dessa dívida ao longo de uma década, seria de 586%. “Considerando o tamanho da dívida de estados, atualmente em R$ 138 bilhões, o impacto total da PEC poderia superar a casa de R$ 1 trilhão, dinamitando de vez a dinâmica da dívida pública do setor público brasileiro”, alertou o economista da XP.

Segundo o economista, se o mercado der conta desse impacto, a taxa de juros da economia (Selic), atualmente em 15% ao ano, precisará subir ainda mais. “Quando o mercado se desse conta do impacto, teríamos muito provavelmente uma nova rodada de depreciação cambial, pressão na inflação e no Banco Central”, alertou. Ele lembrou que isso ainda não inclui “as incertezas causadas pela ameaça de guerra político comercial do governo Trump e todas as incertezas trazidas pela proximidade do próximo ciclo eleitoral”. 

No relatório, Genta destacou que o objetivo da PEC é claro: “abrir espaço artificial no teto de gastos e nas metas de resultado primário”. “O problema é que, na prática, essa separação é praticamente inviável operacionalmente, especialmente no caso dos RPVs, que possuem dinâmica distinta e difícil segregação. Sendo assim, o mais provável é que a União não obtivesse qualquer alívio fiscal em 2026, o que a princípio seria um dos motivos por trás da urgência da tramitação. E, possivelmente, poderia ter que arcar no futuro com o custo desta nova bomba relógio”, acrescentou o relatório da XP Asset.