Por Luiz Recena Grassi
É mais difícil terminar do que começar um conflito armado. A paz tem um ciclo. A guerra é outro. É disso que estão a se dar conta os senhores principais da luta entre Rússia e Ucrânia. Os principais jornais da Europa foram enfáticos em suas manchetes ao revelarem o desacordo interno entre os países convidados pelo presidente francês, Emmanuel Macron, sobre o que e o como fazer para suprir a Ucrânia de verbas e armas necessárias para que ela se mantenha ainda como um player nas negociações para paz, já iniciadas, que mostram como principais atores o norte-americano Donald Trump e o russo Vladimir Putin.
O ucraniano Volodymyr Zelensky só conseguiu até agora falar uma vez ao telefone com Trump. Como sempre faz, quis apresentar a resenha da conversa, mas não convenceu. E, logo depois, o norte-americano avisou ao mundo sua disposição em gerir as usinas de energia nuclear ucranianas para garantir que ninguém pense em atacá-las, mesmo tendo à vista uma concreta possibilidade de paz.
“Ninguém botará as mãos nas nossas usinas”, teria dito o ucraniano em reunião com lideranças nórdicas. Os nórdicos e os bálticos estão na ponta dos interessados em acelerar negociações europeias que produzam armas modernas para a defesa da região contra eventuais ataques de tropas russas. A condição de barrado no baile não foi assumida pelo líder de Kiev. Ele foi buscar apoio junto a ingleses e franceses, nenhum dos dois com dinheiro sobrando nem indústria de ponta no item armamentos. A União Europeia bastante enfraquecida não conseguiu formatar, até agora, nenhum projeto concreto para captar pelo menos parte dos 800 bilhões de dólares imaginados para reformar a estrutura de produção bélica de seus membros, o que aprofunda ainda mais a ideia de divisão entre eles.
Bálticos, nórdicos e a Polônia tentam, juntos, pressionar a UE para correr contra o tempo. Os países do Sul da Europa, Itália e Espanha na liderança, manifestam surpresa e receio diante das propostas dos países do Norte. Difícil conciliar narrativas diante dos quadros internos atuais de cada país. Além de França e Reino Unido, sobra a Alemanha para discutir. Os alemães estão empenhados, primeiro, em assentar novo parlamento e novo governo. Estão a conversar entre si. Num segundo momento, já sinalizaram, irão debater a modernização da indústria bélica germânica. Bem escaldados pelo último século, não querem entrar de graça em briga nenhuma. Já apanharam muito e não estariam dispostos a dar novas chances a inimigos.
A dividida Europa vai continuar remando contra a maré e discretamente boicotando o futuro de um acordo sobre paz definitiva. A propaganda pró Ucrânia e contra Rússia voltou feroz. Houve celebração de um ataque de Kiev contra a Base aérea de Engels, perto da fronteira, onde tanques de combustíveis foram atingidos. A Base de Engels pode virar nuclear se for preciso. Nem uma palavra sobre os ataques russos, só “denúncias” sobre possíveis ações de Moscou contra infraestruturas ucranianas. Pelo menos um fato juntou os dois sob o olhar pacificador de Trump: foram trocados 175 prisioneiros entre as partes. Não é a maior troca nem a primeira vez que isso ocorre.
Sob Trump, no entanto, é a primeira e o senhor da guerra ianque ficou muito feliz. Espera-se mais. Além de novos encontros entre os enviados especiais de cada um, russos, ucranianos e norte-americanos, na próxima semana, na Arábia Saudita. Voltam à pauta, ainda, os acordos de Trump e Kiev para a cedência de terras ricas em minerais nobres da Ucrânia para os Estados Unidos; e os vetos russos à venda e entrega de novas armas da Europa para Kiev. O Kremlin já denunciou que governos europeus investem na ampliação dos conflitos. A história de cada um dos países não estimula bons ventos quando se trata de relações com a Rússia.
O CORREIO SABE PORQUE VIU.
Estava lá. A Perestroika, além das expectativas sem armas e planos para um futuro melhor, mexeu também com hábitos e costumes em cidades principais como Moscou e Leningrado. Muita festa e muita vodka rolaram nesses dias. Só um conhecido, empresário no eixo São Paulo-Madrid, andava triste e resmungão. Terceira ou quarta vez que ia a Rússia propor negócios, fechando alguns, voltava para casa sem ter participado de uma festa. Falou com amigos russos, que riram e falaram com amigas deles.
Marcado o domingo lá foram para os festejos de um brunch. Meu conhecido pagou o almoço e dele saiu, contou-me, bem escoltado por braços eslavos. No fim da tarde encontrei-o na minha casa, onde pedira pouso por estar mais perto do aeroporto. No dia seguinte, Espanha e depois a pauliceia. Exalava felicidade.
Só um detalhe: pele muito branca, estava sentado na sala com um bom pacote de gelo na barriga. Nem deixou acalmar meu espanto. Sob o gelo, alguns sinais fortes de unhadas na barriga. “Ela disse: se não podes levar-me contigo levas umas marquinhas para não me esqueceres”. O empresário chorava ardências, mas mantinha o riso de felicidade.
*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou