A reação negativa do mercado financeiro ao anúncio atabalhoado do governo sobre o pacote de cortes de R$ 70 bilhões em dois anos fez com o dólar bater dois recordes seguidos, encostando em R$ 6. Enquanto isso, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3), acumulou, nesta sexta-feira (28/11), mais de R$ 170 bilhões em perdas em valor de mercado, conforme dados da consultoria Elos Ayta.
”O valor de mercado das empresas listadas na B3 encolheu R$ 172,9 bilhões nos dois últimos pregões, com destaque para as perdas em grandes bancos e na Petrobras”, destacou Einar Rivero, sócio fundador da consultoria. Na avaliação do analista, a divulgação do pacote fiscal foi mal recebida pelo mercado, “gerando incerteza sobre o impacto nas contas públicas e no ambiente de negócios, contribuindo para a queda da B3”.
Queda acumulada
O Índice Bovespa (IBovespa), principal indicador da B3, acumulou queda de 4,09% nos dois últimos pregões de novembro, enquanto o dólar Ptax valorizou 3,24%. “Esse cenário, combinado com a divulgação de um pacote fiscal na noite de 27 de novembro, gerou forte reação negativa no mercado”, explicou. “A valorização do dólar, somada à incerteza fiscal, pode ter aumentado a aversão ao risco entre investidores”, avaliou Rivero.
Segundo o analista, o setor financeiro foi o mais afetado na mesma base de comparação, com o Itaú Unibanco liderando as perdas (-R$ 17,6 bilhões). Em seguida, os bancos BTG Pactual e Bradesco, com perdas de R$ 14,5 bilhões e R$ 9,3 bilhões. “O pessimismo pode estar ligado a temores fiscais e ao impacto da alta do dólar em instituições financeiras com exposição cambial ou dependência de crédito”, afirmou.
A Petrobras perdeu R$ 9,4 bilhões no mesmo período, refletindo o impacto direto das preocupações com o pacote fiscal do governo. De acordo com Rivero, a falta de confiança na nova proposta pode estar afetando as expectativas de crescimento e estabilidade econômica, especialmente no setor de commodities”.
Pacote polêmico e recheado de críticas
Ao anunciar o pacote de corte de despesas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também adiantou o anúncio de uma renúncia fiscal que pode chegar a R$ 40 bilhões ou R$ 50 bilhões com a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Isso aumentou a desconfiança do mercado e fez o dólar subir e bater um segundo recorde seguido desde o início do Plano Real e a Bolsa acumular perdas e ficar abaixo de 125 mil pontos.
Além de agentes financeiros, entidades do terceiro setor também criticaram o pacote. Para o Centro de Liderança Pública (CLP), as iniciativas anunciadas pelo ministro “são insuficientes para promover ajuste fiscal efetivo”. Em nota técnica, instituição informou que, “para resolver a questão, seriam necessárias reformas estruturais profundas, tanto no sistema tributário quanto previdenciário, para garantir a sustentabilidade das contas públicas e fomentar um ambiente propício ao desenvolvimento econômico e social do país”.
“No que diz respeito à aposentadoria dos militares, embora algumas alterações tenham sido introduzidas, como o aumento progressivo da idade mínima para a transferência à reserva remunerada e mudanças nas regras de pensão, ainda há timidez frente à gravidade do déficit. A Previdência militar, que consome R$ 59 bilhões anuais ou 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto), permanece sem uma base contributiva sólida e com regras que incentivam a aposentadoria precoce”, destacou o comunicado..
Ainda de acordo com a nota técnica do CLP, entre as ações que poderiam contribuir para reduzir esses gastos previdenciários e assistenciais, destaca-se a necessidade de uma segunda reforma da Previdência, focando em conter os gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria rural. “A implementação de um gatilho que ajuste a idade mínima de aposentadoria com base no aumento da expectativa de vida também seria essencial para garantir a sustentabilidade do sistema previdenciário a longo prazo”, acrescentou o comunicado.
De acordo com Nathalie Beghin, integrante do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), embora tenha havido um esforço do governo em distribuir os encargos fiscais, “as pessoas de baixa renda ainda continuam sendo as mais prejudicadas, quando deveriam ser beneficiadas devido à significativa dívida social, ambiental e climática do país”.
Segundo ela, o avanço estaria na isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, um benefício que pode perder o efeito dada a austeridade da medida que afeta desproporcionalmente os mais pobres. Isso porque, mesmo com o aumento real das receitas, o governo insiste em cortar gastos para controlar o crescimento das despesas obrigatórias, o que mantém a incerteza sobre a renda das famílias de baixa renda.
Outras críticas apontadas na nota do Inesc dizem respeito à vinculação do aumento real do salário mínimo à regra fiscal, à redução progressiva do teto para acesso ao abono salarial, e às novas barreiras para o acesso ao BPC, porque essas e outras iniciativas “podem comprometer o financiamento de políticas sociais essenciais”.
A entidade também criticou o fato de o governo não mexer em benefícios empresariais no pacote. “Há limites potenciais ao crescimento de benefícios fiscais no futuro, mas não há revisão dos atuais: se houver deficit primário de 2025 em diante, no exercício seguinte à apuração do deficit fica vedada a criação, majoração ou prorrogação de benefícios tributários. Na realidade, não há qualquer proposta de avaliação ou revisão das benesses tributárias destinadas ao setor empresarial hoje”, destacou o texto. “Sabe-se que boa parte delas é ineficiente, este é o caso, por exemplo, das renúncias fiscais do setor de óleo e gás, que foram da ordem de R$ 66 bilhões em 2023, de acordo com estudo do Inesc. São vultosos recursos que irrigam um setor que faz mal à saúde do planeta”, acrescentou o documento.