Por Luiz Recena Grassi*
Bravatas armadas explosivas não fazem bem para o desenho fiel do quadro de paz que se queira possível. Foi tudo desafiado, primeiro pelo anúncio da decisão americana de permitir o uso de seus mísseis contra o território russo. Rápida reação da Ucrânia, dois dias, para enviar seis mísseis ATACMS contra território russo. Estes informaram que derrubaram cinco e o sexto desfez-se longe dos melhores alvos. Teria atingido pouco pequeno posto, sem vítimas ou prejuízos. Cada brinquedo custa mais de um milhão de dólares. Quase oito milhões no total. Caro. Dois dias e jogaram mais um míssil, inglês não novo, ineficaz. O menino Volodymyr Zelensky mostrou armas para assustar Vladimir Putin, o menino maior.
Contrariado, o russo mandou um míssil hipersônico capaz de carregar ogivas. Até cinco, dizem. Nenhuma desta vez. Só o aviso de que esse brinquedo é novo com mais bombas. Passou por cima de Kiev, atravessou o Dniepr e caiu sem provocar grandes estragos. Em matéria de alcance comprovado o russo venceu. Só que é míssil novo, mesmo vindo da inspiração soviética. Orechnik é o nome dele. Promete. O americano é novo, o inglês é final de estoque. Com franceses a situação não muda. Os americanos mandaram ainda minas terrestres. Os ucranianos não poderiam usá-las, pois são signatários de um acordo internacional de 160 países contrários ao uso dessas minas. Os americanos não assinaram.
Os russos também não, mas garantem nunca usar. Há controvérsias. Então, estamos assim: Estados Unidos e Ucrânia fizeram um gesto e faturaram, fizeram outro e perderam feio. Os russos seguem batendo devagar e sempre, ganhando terreno. Em menos de dois meses tem troca da guarda em Washington. Mesmo com bombardeios dos dois lados o quadro teria melhorado. Os ucranianos têm brinquedos novos e dificuldades em aprender a usá-los. Os russos mantêm a toada mas não podem tudo. O quadro passou a exigir negociações efetivas. Analistas dos dois lados concordam apostar mais na linha da paz. As viúvas e alarmistas em geral continuarão com a boca no trombone sem ganhar novo público. A Vatican News meteu a colher benta: um milhão de vítimas até agora, na soma dos dois lados. Mais de 80 mil soldados ucranianos e mercenários mortos só em setembro último. O Acnur, da Organização das Nações Unidas (ONU), indicou 6,7 milhões de ucranianos vagando pela Europa; quatro milhões deslocados no próprio país. Neste setembro a inflação bateu em oito por cento pelas informações inglesas. Dívida externa teria encostado nos U$ 170 bilhões, com EUA e aliados europeus. Comparação cruel com a Rússia, que acumula números positivos e está com os cofres cheios, a vencer sanções dos EUA, União Europeia e Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), dois atores medíocres desse teatro. Sobra pouco romance, nenhum heroísmo nesses 1000 dias. É sempre bom lembrar: cem anos atrás, em Petersburgo, o genial John Reed escreveu seus Dez Dias que Abalaram o Mundo. Jornalista e comunista a obra dele vence o tempo. Ficou. Eram outras formas e princípios.
O CORREIO SABE PORQUE VIU.
Estava lá. Primeiro o pranto. Depois a raiva, logo o desejo perverso e por último o prazer, espécie de clímax de um quadro típico. A essas e outras viagens nos entregávamos para enfrentar as longas tardes-noites de outono e inverno em Moscou. Ao papo-cabeça acrescentávamos boas doses de vodka, de fofocas e outras maldades para temperar. Nessa noite a preferida era Madame K. Ela vivia um pequeno drama pessoal, que naturalmente aumentava na narrativa tensa feita em suas versões.
O mesmo fato em várias versões. Era mulher de soldado, de oficial para ser preciso. E tinha remorsos por ele não ter ido às batalhas, ao contrário de amigos que foram e, alguns, não voltaram do Afeganistão. Então começavam os copos e histórias. Designado para ficar em cidade próxima a Moscou, soubera aproveitar as oportunidades e ascender na carreira. Promoções, melhorias de salários e apoios no trabalho, mordomia e outras benesses. Passava dias, às vezes semanas longe de casa. Sem problemas para ele. Muitos para ela. Mesmo com o bom emprego e as benesses que tinha. Aproveitava tudo e pensava nos outros. Gostava disso. Saía com seu grupo, entornava, chorava no ombro de um amigo próximo, agora mais presente no seu coração. Chorava alto depois blasfemava contra a religião e a vida que levava. Tirava a roupa sem maiores dificuldades. Passado o momento de ira e imprecações, ria e aceitava os desígnios do desejo. E as noites acabavam em grande euforia. A guerra era o afrodisíaco que faltava.
*O jornalista foi, por muitos anos, correspondente do Correio Braziliense em Moscou