No mesmo dia em que o Ministério da Fazenda divulga dados bastante otimistas da atividade econômica em 2024, elevando a estimativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 3,2% para 3,3%, o mercado financeiro piora as projeções macroeconômicas para 2025 e para 2026. Pelas novas estimativas devem frear o PIB com juros de dois dígitos nos próximos dois anos.
Conforme dados do boletim semanal Focus, do Banco Central, divulgado nesta segunda-feira (18/11), as novas projeções dos analistas preveem a taxa básica da economia (Selic) voltando para 12% ao ano no fim do próximo ano. A previsão anterior estava em 11,50% e, há quatro semanas, era de 11,25% ao ano. A mediana das projeções para os juros básicos no fim deste ano foi mantida em 11,75% anuais.
Esse aumento nas estimativas para os juros está relacionado com o estouro da meta de inflação neste ano e um dólar elevado até 2027, sendo que, neste ano, deverá fechar no patamar de R$ 5,60 e ficar entre R$ 5,45 e R$ 5,50 nos anos seguintes, o que tende a pressionar ainda mais o custo de vida.
O governo já mudou o arcabouço fiscal e passou a perseguir o piso inferior da meta, mesmo com vários descontos nas despesas previstos para este ano e, mesmo assim, pelas estimativas do mercado, não será possível cumprir o novo marco fiscal, que permite um rombo de até 0,25% do PIB, ou R$ 29,9 bilhões. Na toa, o constante adiamento do anúncio do pacote fiscal vem contribuindo para a piora das expectativas e o consenso entre especialistas é que um corte inferior a 0,40% do PIB não será possível cumprir a meta neste ano e mudar a trajetória da dívida pública.
Nesta sexta-feira (22), a Fazenda e o Ministério do Planejamento precisam divulgar a nova previsão de gastos e receitas do Orçamento de 2024 e, provavelmente, o governo precisará anunciar novo bloqueio ou contingenciamento de despesas. “Eles parecem não prever cortes de gastos neste ano. Apenas a partir de 2025”, lamentou Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos. Ele lembrou que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deu declarações de que o pacote de cortes não incluirá a revisão de subsídios tributários concedidos às empresas.
Na semana passada, a Receita Federal divulgou um relatório mostrando que, até 29 de outubro, 54,9 mil contribuintes que utilizaram créditos tributários decorrentes de benefícios fiscais declararam ter usufruído R$ 97,7 bilhões (referentes ao período de janeiro a agosto deste ano). Conforme os dados do Fisco, praticamente um terço desse montante — algo em torno de R$ 35 bilhões — foram destinados ao setor agropecuário, incluindo subsídios para compra de fertilizantes e defensivos agrícolas e para a exportação de carnes. A desoneração da folha de pagamentos, que foi prorrogada pelo Congresso à revelia da equipe econômica, respondeu por R$ 12,2 bilhões, foi o segundo maior gasto. E o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) somou R$ 9,6 bilhões, no mesmo período.
De acordo com o ministro, esses dados foram mostrados “pela primeira vez na história, com o intuito de conter as iniciativas que visam aumentar subsídios para determinados setores”. “Os subsídios vão continuar sendo enfrentados mas nesse conjunto de medidas vamos trabalhar a questão do gasto e vamos trabalhar na questão do gasto tributário para coibir a ação dos lobbies”, afirmou Haddad, em entrevista aos jornalistas na semana passada, quando ele disse que, nesse novo pacote, os gastos tributários não serão enfrentados. Fontes da Esplanada reconhecem que cortar subsídios, apesar de necessário, algo praticamente impossível, principalmente, aqueles com lobbies fortíssimos e com pouco retorno para a sociedade.
Rombo crescente
De janeiro a setembro, conforme dados do Tesouro Nacional, o rombo fiscal das contas do governo central somaram R$ 105,2 bilhões, crescimento real (descontada a inflação) de 7,4% em relação ao saldo negativo de R$ 94,3 bilhões registrado no mesmo período de 2023. E, no acumulado em 12 meses até setembro, o deficit fiscal acumulado somou R$ 245,8 bilhões, o equivalente a 2,12% do PIB.
Pelas projeções do boletim Focus, o rombo fiscal deste ano será de 0,60% do PIB, ou seja, continua maior do que os 0,25% do PIB permitidos pelo arcabouço fiscal. E, apesar de haver uma leve redução na projeção da dívida pública bruta neste ano, de 72% para 71,5% do PIB, a tendência é de aumento desse percentual até chegar a 79,80% do PIB no fim de 2027.
A mediana das estimativas para a inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), para este ano, passou de 4,62% para 4,64%, acima do teto da meta de 4,50%. E, para 2025, subiu de 4,10% para 4,12%. O novo Boletim Macro Fiscal da Fazenda está bem mais conservador, pois estima uma inflação dentro da meta, de 4,4%, neste ano e no próximo.
E, para os anos seguintes, a mediana das estimativas do Focus segue acima do centro da meta, de 3%. Para o IPCA de 2026, passou de 3,60% para 3,70% e, para o de 2027, foi mantida em 3,50%.
Pelas previsões do mercado, o PIB deste ano crescerá menos do que o governo está prevendo, pois a previsão de expansão foi mantida em 3,10%, passando para 1,94% no ano que vem, confirmando as estimativas de desaceleração da atividade. Nos anos seguintes, as projeções continuam em 2% há mais de um ano.
“Houve piora nas projeções de vários indicadores, como o IPCA que subiu em todo o horizonte até 2026. Também foi revisado para baixo o saldo da conta-corrente do país. O Focus segue reverberando o mau humor dos mercados com a situação fiscal brasileira”, afirmou o economista e consultor André Perfeito.
Na avaliação do analista, faz algum tempo que dada a desvalorização do real, “a rentabilidade dos títulos em dólares está negativa e isso reverbera pelo subterrâneo do money market o pessimismo”. Mas, se o real não se desvalorizar muito mais e a taxa Selic, de fato, subir na velocidade apontada pelo Focus, é possível que, já no primeiro trimestre de 2025. as taxas de juros em dólares apontando para cima. “E, assim, o mal estar pode ser em parte estancado”, acrescentou Perfeito.
De acordo com Perfeito, o relatório Focus não revisou as estimativas do PIB para baixo “algo que se, de fato, a Selic for para os patamares projetados a atividade sofrerá”. “Da mesma forma que o mercado errou para baixo o PIB em 2023 e 2024 o mesmo erro vai acontecer, mas agora em sentido inverso, para 2025”, alertou.