No dia seguinte do Copom, dólar dispara e passa de R$ 5,70. Bolsa volta a operar no vermelho

No dia seguinte à decisão de juros no Brasil e nos Estados Unidos, dólar volta a subir e ultrapassa o patamar de R$ 5,70. Bolsa volta a operar no vermelho

This ilustration shows a man counting US dollars in Caracas on January 28, 2019. Venezuela devalued its currency by almost 35 percent on Monday to bring it into line with the exchange rate of the dollar on the black market. The exchange rate is now fixed at 3,200 bolivars to the dollar, almost matching the 3,118.62 offered on the dolartoday.com site that acts as the reference for the black market. / AFP / YURI CORTEZ

Um dia após o Banco Central manter a taxa básica da economia (Selic) em 10,50% ao ano e o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) também deixar inalterados os juros básicos entre 5,25% e 5,50% ao ano, mas sinalizar que começará o ciclo de redução em setembro, em mais uma “super-quarta” do mercado financeiro, o dólar volta a subir frente ao real, nesta quinta-feira (1º/8), e rompe o patamar de R$ 5,70, sendo negociada perto de R$ 5,74.

Por volta das 16h25, a divisa norte-americana registrava alta de 1,56% e era cotada a R$ 5,738 para a venda. No acumulado do ano, o real já acumula desvalorização em torno de 18%, conforme dados da RB Investimentos. Enquanto isso, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) voltava a operar no negativo, com queda de 0,18%, a 127.421 pontos, acompanhando as bolsas internacionais que operam no vermelho em meio ao aumento de tensões no Oriente Médio.

“O dólar segue valorizado devido à piora do quadro fiscal, mas o clima no mundo está um pouco mais complicado por conta da questão geopolítica entre Israel e o Hamas. Por outro lado, o Banco Central da Inglaterra cortou os juros, ontem, e com isso, a libra esterlina enfraqueceu e o dólar ficou mais forte frente às moedas em geral, inclusive, o real”, explicou o economista João Luiz Mascolo, sócio da SM Managed Futures e professor e Economia da Faculdade Albert Einstein.

“Ontem, uma parte do mercado esperava um sinal de possível alta na Selic, que não veio no comunicado do Copom. E vemos, agora, os vencimentos mais curtos da curva de juros caindo. Isso tira um pouco a força do real”, destacou Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos.

Cruz lembrou ainda que, a alta de juros do Japão, ontem, está atraindo recursos para o país asiático, o que contribui para a desvalorização de moedas de países emergentes como o Brasil. Na quarta-feira, o comitê de política monetária do banco central japonês elevou a taxa de juros de curto prazo para 0,25% ao ano, após oito anos de operações com taxa negativa no país.

Decisão unânime

A decisão do Copom para a manutenção da taxa Selic em 10,50% foi unânime e veio dentro do esperado pelo mercado. Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, ressaltou que o sinal do comunicado do Comitê foi de mais cautela, porque o Banco Central está piorando as variáveis do cenário econômico. “Basicamente, o BC deu esse sinal aumentando suas próprias projeções de inflação até incluindo o horizonte de 2026. E essa piora, no entanto, é acompanhada da mensagem reforçando a necessidade de se serenidade. O Copom sugere, com essa frase, que esse desvio de inflação até o momento não é suficiente para aumentar a taxa de juros ainda que isso esteja no radar”, afirmou. Ele lembrou que o comunicado ainda sinalizou que, para que seja necessário o aumento de juros, o BC vai ter que acompanhar duas variáveis principais que ele sugere ali, que é câmbio e expectativas de inflação.

“O comunicado, curiosamente, falou pouco sobre os preços das commodities, mas enfatizou muito o câmbio e as expectativas. com isso, a nossa leitura é que o câmbio está exagerado e ele pode recuar nas próximas semanas”, acrescentou. Padovani contou que, pelas previsões do BV, deverá haver também recuo nos preços da commodities, e o Banco Central pode tomar uma decisão de manter os juros parados em 10,50%. “Mas de qualquer forma, o BC sinaliza de maneira importante um aumento de risco do cenário”, reforçou.

Na avaliação de José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, o comunicado do Copom alterou o balanço de riscos de modo relevante com vistas a explicitar efeitos do cenário fiscal sobre a “percepção dos agentes econômicos, que, junto com outros fatores, tem impactado os preços de ativos e as expectativas dos agentes”. Para ele, a ata do Copom, que será divulgada na próxima terça-feira (20/7), “deve trazer debate a respeito do balanço de riscos e confirmar o viés de risco de alta da Selic se
mantida a piora nas expectativas”.

O economista do Fator ressaltou que a mudança do comportamento do câmbio, que estava em R$ 5,30 na reunião do Copom anterior, em junho, e das projeções de inflação, de 3,80%, confirmam o risco de “uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado” e de “uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada”, que se somaram ao usual “uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado” na composição do risco de alta do cenário e das expectativas de inflação.

“Os dois fatores de risco de baixa permanecem externos (atividade e inflação no exterior). Fora de
controle ou influência pelo Copom”, ressaltou Gonçalves. Ele lembrou que o Copom reforçou a preocupação com a questão fiscal e ressaltou que “uma “política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.” “O argumento não é novo, mas comparece reforçado pela maior desancoragem”, pontuou.

Na avaliação de Gonçalves, o sinal do Copom para a manutenção da Selic no nível atual foi reforçado pelo resumo do cenário doméstico, “marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam acompanhamento diligente e ainda maior cautela”.