Mercado digere anúncio de contenção de gastos do governo e prevê a necessidade de corte adicional

Contenção de R$ 15 bilhões de despesas anunciada pelo governo ainda é insuficiente para o cumprimento de metas. Analistas preveem corte adicional de, pelo menos, R$ 10 bilhões nos próximos meses

Em dia de pane cibernética global, com vários bancos e aeroportos com problemas nas operações, o mercado ainda digere o anúncio do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de uma “contenção” de R$ 15 bilhões no Orçamento deste ano, para o governo tentar cumprir a meta fiscal e respeitar o novo arcabouço previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O valor é baixo para zerar o deficit primário previsto para o exercício de 2024, de acordo com especialistas. Eles esperam um novo corte de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões, pelo menos, nos próximos meses.

Ladeado pelas ministras Simone Tebet, do Planejamento e Orçamento, e Esther Dweck, da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, o chefe da equipe econômica foi quem deu a notícia após a reunião da Junta de Execução Orçamentária (JEO) com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com a assessoria, o combinado entre os ministros e a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) foi que apenas Haddad falasse.

Analistas do consideraram o contingenciamento de R$ 15 bilhões, anunciado após o fechamento dos mercados abaixo do necessário, porque o governo buscou bloquear o necessário para preservar o limite inferior da meta de deficit zero, que permite um rombo de até R$ 28,8 bilhões, o equivalente a 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB). O detalhamento dos cortes será feito por meio de decreto no último dia do mês.

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, destacou que, apesar do anúncio de que haverá corte no próximo relatório de avaliação de receitas e despesas, que será divulgado segunda-feira (22/7), ainda será preciso que o governo anuncie novos cortes nos relatórios seguintes. “Esperamos mais ajustes até o quinto bimestre, quando haverá mais clareza sobre eventuais avanços na compensação da desoneração da folha e na eficácia de medidas relativas a despesas”, afirmou. Ele estima mais uma contenção de R$ 10 bilhões, pois a semana confirmou alta do PIB deste ano mais perto de 2% do que para 2,5%, o que deve reduzir ainda mais a previsão de receita do governo.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, acredita que ainda falta um corte de R$ 15 bilhões para o governo conseguir um resultado fiscal dentro da meta, ou seja, um saldo negativo menor do que 0,25% do PIB e, portanto, será inevitável cortes adicionais de despesas daqui para frente. “Estão no caminho, mas ainda na metade do que precisa ser feito. Como o governo interditou medidas mais estruturais de ajustes, será inevitável que esses bloqueios sejam comuns até 2026”, destacou.

Em relatório da Warren Investimentos, o economista-chefe Felipe Salto escreveu que, do ponto de vista prático, o anúncio é positivo, apesar de ainda remanescer uma necessidade de corte de gastos de R$ 12 bilhões. “Estimamos um corte total necessário de R$ 27 bilhões, o congelamento anunciado (bloqueio + contingenciamento) já resolve parte relevante do problema. Ao longo dos próximos meses, a própria dinâmica de despesas obrigatórias que são ligadas à evolução da receita poderá colaborar para o ajuste remanescente. Entendemos que, ainda assim, será preciso uma segunda tranche de contingenciamento”, acrescentou.

Pelas estimativas do especialista em contas públicas Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), o corte do governo fez a contenção de gastos buscando antecipar algumas medidas de revisão de despesas de 2025 para agora para evitar um corte maior. “Agora é ver os demais ajustes no relatório como as projeções de receita na próxima segunda-feira”, acrescentou. Segundo ele, se o governo conseguir aumentar a receita, pode ser que evite esse corte adicional.

Bolsa e apagão cibernético

Após fechar o pregão da véspera em baixa de quase 1,4%, impactada pela apreensão sobre o anúncio do governo sobre o bloqueio no Orçamento deste ano e pelo desempenho de companhias relacionadas às commodities, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) iniciou o pregão de hoje no azul e acima de 128 mil pontos, mas voltou a perder esse patamar na parte da tarde.  O dólar, após subir 1,9%, ontem, operava em baixa de 0,17%, por volta das 11h, cotado a R$ 5,54.

A B3 informou em nota, que nenhum de seus serviços e plataformas de operação foi afetado pela falha técnica que atingiu diversos setores globalmente. “Reforçamos que nossos sistemas continuam operando e aptos para pleno funcionamento do mercado”, acrescentou. O Banco Central informou que os sistemas “estão funcionando normalmente”.

O Itaú Unibanco informou que “os serviços do banco seguem funcionando para seus clientes, que podem realizar operações financeiras normalmente”. O Bradesco, por sua vez, informou por meio de nota que “em virtude de um apagão cibernético global que afeta várias empresas no mundo, os sistemas dos canais digitais do Bradesco apresentam indisponibilidade nesta manhã”. “Equipes estão atuando para a regularização o mais breve possível. Os terminais de autoatendimento do banco funcionam normalmente”, acrescentou.

A XP Investimentos informou que, “diante do incidente de tecnologia global, está atuando com prioridade absoluta para identificar e corrigir eventuais intercorrências que possam impactar os clientes”.