O Supremo Tribunal Federal retomou nesta quarta-feira o julgamento sobre a responsabilização das plataformas digitais por conteúdos publicados por seus usuários. O ponto central na discussão é o artigo 19 do Marco Civil da Internet, segundo o qual as plataformas digitais só podem ser responsabilizadas se, mesmo após notificação judicial, não retirarem postagens consideradas delituosas.
Esse julgamento tornou-se um problema de múltiplas dimensões para a Suprema Corte. A começar porque impõe aos ministros a ingrata tarefa de se posicionar sobre um tema em que há diversas questões em aberto. Trata-se de dois casos específicos sobre as obrigações das plataformas quanto ao comportamento dos usuários. Entretanto, ao tecer suas considerações, os integrantes do STF fatalmente entram em terreno perigoso, pois os argumentos elencados podem ser contestados pelo Poder Legislativo, que tem a prerrogativa de definir as regras no ambiente digital. E nem mencionemos a politização e polarização já consolidadas entre os críticos da mais alta instância do Judiciário.
Presidente do STF, o ministro Luís Roberto Barroso, esclareceu ontem os limites do que está sendo tratado em plenário. “Os critérios adotados pelo tribunal para decidir os casos trazidos perante ele só prevalecerão até que o Congresso Nacional legisle, se e quando entender que deve legislar a respeito. Quando o Congresso legislar, é a vontade do Congresso que será aplicada pelo STF, desde que compatível com a Constituição”, observou.
Até aqui, três ministros votaram no julgamento. Quarto membro a se manifestar, o ministro André Mendonça leu parte de seu voto hoje e pretende concluí-lo amanhã. Deu a entender que votará no sentido de que cabe ao Congresso discorrer sobre regras nas plataformas digitais e de que o STF precisa observar os limites para não cercear a liberdade de expressão.
Ao declarar seu voto ainda em dezembro do ano passado, o ministro Luís Roberto Barroso, destacou princípios incontestáveis: “Não importa se você é liberal, conservador ou progressista. Não pode ter pornografia infantil nas redes, não pode ter terrorismo, não pode ter venda de drogas”. E mencionou um dos problemas inerentes à discussão — a dimensão política: “A polarização fez com que as pessoas não conseguissem construir nem o que é de senso comum”.
Independentemente do resultado do julgamento, ainda faltará definir o papel político e social das plataformas digitais. O STF vai se posicionar sobre duas situações particulares, mas pouco pode fazer quanto à regulamentação desse instrumento que amplificou a comunicação na sociedade a níveis jamais vistos. E aqui chegamos ao impasse: o Congresso Nacional, até o momento, não mostrou disposição para deliberar sobre esse tema que está no cotidiano dos brasileiros e, todos os dias, coloca em risco milhões de famílias.
Um exemplo: já se passaram praticamente dois meses da morte de Sarah Raíssa de Castro, de oito anos, provável vítima desses desafios letais impregnados no ambiente digital. Até o momento, o que há são ações policiais contra suspeitos — muitos deles adolescentes — envolvidos em atividades deploráveis como incentivo a automutilação, suicídio, tortura e agressões a moradores de rua.
Constantemente atacado por grupos que usam as plataformas digitais para obter ganhos políticos, o STF cumpre o dever de dar algum regramento para a barbárie e a profusão de crimes nas redes sociais. Mas é somente um passo, insuficiente se considerarmos a velocidade frenética do mundo digital, especialmente com o advento da Inteligência Artificial. Enquanto o Estado não enquadra os responsáveis por permitir que crimes sejam cometidos em larga escala, toda sorte de bandidos, golpistas e mentirosos continuarão a causar danos à sociedade.
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